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Opinião|Novembro roxo: um em cada dez bebês nasce antes do tempo

Nenhuma gestante quer ouvir falar sobre prematuridade, mas é preciso discutir o assunto

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Atualização:

 

 Foto: Seep por Pixabay

É muito difícil que uma grávida coloque entre sua lista de preocupações a possibilidade de seu bebê nascer prematuro. A gente aproveita os nove meses de gravidez para fazer o pré-natal, que é essencial, mas também para escolher o nome (e fazemos listas e mais listas!), calcular a data provável para o parto, montar o enxoval e o quartinho, visitar a maternidade, fazer chá de bebê e pensar apenas em coisas boas.  Ninguém quer pensar que algo pode acontecer de forma diferente do planejado. Só que um em cada dez nascimentos no Brasil acontece antes do tempo previsto, você sabia? Cerca de 12% dos bebês chegam prematuramente, uma possibilidade que não é assim tão remota, infelizmente.

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E foi para colocar esse tema tão fora do radar em pauta que o mês de novembro foi escolhido para discutir a prematuridade: é o novembro roxo, quando o assunto chega e se impõe.  A ONG Prematuridade (Associação Brasileira de pais, familiares, amigos e cuidadores de bebês prematuros) encomendou uma pesquisa e descobriu que três em cada dez pais de prematuros desconheciam completamente o tema até a chegada do filho. "A gente acredita que essa informação não foi levada a eles, e não que eles não buscaram. Existe uma maneira de a gente informar os pais grávidos de que existe a chance de um parto prematuro, fazendo isso sem alarmá-los, e sem causar pânico", explica Denise Suguitani, diretora-executiva da ONG Prematuridade, que atua fortemente por políticas públicas e direitos para os bebês prematuros e suas famílias (a ONG participou da movimentação que culminou com a ampliação da licença maternidade em casos de internação da mãe ou do bebê por mais de 14 dias, a chamada "licença estendida")

Blog: Muitas gestantes ficam se perguntando se dá para evitar a prematuridade. Existem coisas que são possíveis fazer, mas às vezes um bebê nasce antes do tempo sem nenhuma explicação, acontece o imponderável.

ONG prematuridade:  Hoje a prematuridade é a principal causa de mortalidade em infantil em crianças com menos de 5 anos no mundo todo, segundo a Organização Mundial de Saúde, e é também uma das principais causadoras de deficiências em crianças. Muitas vezes dependendo do grau de prematuridade, e hoje em dia cada vez mais os bebês têm sobrevivido com uma idade gestacional superbaixa, 23, 22 semanas, dependendo da idade gestacional e das intercorrências que esse bebê atravessa na UTI, ele pode ficar com sequelas ou não desse nascimento prematuro.

E a gente tem visto cada vez mais também questões como autismo e TDH ligados ao nascimento prematuro. Inclusive a gente tá fazendo levantamento junto com a APAE Brasil, que é algo que eles nunca tinham buscado dentro das pessoas jovens e crianças atendidas quais deles foram prematuros. E a gente está chegando numa conclusão de que grande parte ficou com sequelas de prematuridade. Mas prematuridade não é um destino, não é um desfecho, a gente só quer alertar que é perigoso e que pode acontecer. Mas como você trouxe, a prematuridade muitas vezes acontece com uma gestação que está indo tudo bem, de uma mãe que está fazendo um pré-natal adequado e de repente o bebê vem prematuro. Então a gente fala que a prematuridade ela é bem 'democrática', acontece nos lares milionários e nos lares mais desfavorecidos.

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E é possível prevenir sim. O que é que a gente fala que é ideal quando a gente fala de prevenção de prematuridade? Falar desde lá de educação sexual para os adolescentes, falar com os jovens, meninos e meninas, sobre educação sexual para gente evitar a gestação na adolescência, que gera muitos bebês prematuros. E quanto mais saudável essa mulher tiver no momento que deseja começar a tentar ter um filho, e quanto mais a gente investe nisso, de ser uma gestação planejada, desejada, a chance de ser um prematuro é bem menor. E depois, claro, um pré-natal de qualidade. Não adianta a gente dizer 'ah, temos tantos por cento das gestantes fazem pré-natal'. Sim, mas como que é esse pré-natal? É de qualidade? É mencionado que pode acontecer um parto prematuro? É mencionado pra mãe que ela não deve deixar uma infecção urinária passar despercebida porque isso pode evoluir pra um parto prematuro? Qualquer sinal, sintoma, onde buscar ajuda? Então a qualidade do pré-natal também é bem importante quando falamos de prevenção. E o ideal, é claro, é que a mulher esteja num peso saudável, com exames em dia, isso seria o ideal pra gente poder evitar, antes do momento ali do parto, que ele fosse prematuro.

Blog: Dessas comorbidades que podem aparecer na gestação, desde a diabetes gestacional, a pré-eclâmpsia que é esse aumento da pressão arterial e até a infecção urinária que você citou. Dessas coisas que podem acontecer na gestação, quais são aquelas que são mais perigosas e que podem levar a um parto prematuro?

ONG prematuridade: Uma das principais causas de mortalidade materna e que acaba levando a muitos partos prematuros é a pré-eclâmpsia, que é a hipertensão durante a gestação. Então algumas mulheres já têm uma predisposição na questão hipertensiva, e a pré-eclâmpsia é muito perigosa porque ela pode evoluir pra eclâmpsia, para Síndrome Hellp que é uma síndrome que acaba vários sistemas e a mulher pode vir à óbito, a mãe e também o bebê. E a cura, digamos assim, pra pré-eclâmpsia é o parto. Então a pré-eclâmpsia é um grande problema que acaba acontecendo durante a gravidez, assim como o diabetes gestacional, que é algo que tem que ser monitorado e outras questões que podem acabar acontecendo mais durante a gravidez e que a equipe que acompanha essa gestante tem que estar atenta. Mas eu citaria a pré-eclâmpsia como uma das mais perigosas e mais comuns e que evolui pra um parto prematuro.

Blog: Denise, eu queria que você classificasse essa prematuridade. Como você mesma disse, existem várias classificações de prematuros, desde aqueles que nascem quase a termo, quase na hora certa, desde aqueles que são muitos prematuros. Qual que é essa classificação de prematuridade e qual é o desfecho de cada faixa ali de semana gestacional que o bebê nasce de ele ter sequelas ou de ele ter menos sequelas?

ONG prematuridade: Abaixo de 37 semanas de gestação o bebê é considerado prematuro, independentemente do peso ou qualquer outro parâmetro; abaixo de 32 semanas já é um prematuro bem prematuro e abaixo de 28 semanas é um prematuro extremo. Então é claro que quanto menor a idade gestacional, quanto mais jovenzinho é esse bebê quando ele nasce, mais chances ele tem de ter intercorrências, mas tudo isso vai depender também do atendimento, do suporte que ele vai receber quando nascer e da estada na UTI.

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Agora, em relação à sobrevida e a qualidade de vida, dessa questão de ficar com sequelas ou não, isso vai depender muito, é muito individual, é muito caso a caso de cada bebê, dependendo do atendimento que ele vai receber, do suporte que ele vai conseguir receber logo em seguida que nasce, então isso é uma das coisas que nós enquanto sociedade civil organizada lutamos é para que todos os bebês tenham a mesma chance de sobrevida, mas não só sobrevida, mas qualidade de vida, independente da onde eles nasçam. Mas isso é muito, muito individual.

Denise Suguitani, diretora da ONG prematuridade  

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Blog: Então essa questão de ter uma assistência de qualidade pro prematuro é essencial?

ONG prematuridade: Sem dúvida. O prematuro ele precisa ser acompanhado por uma equipe interdisciplinar, não só, obviamente que o atendimento médico é super importante, mas o papel de toda equipe multiprofissional que está dentro da UTI neonatal e que vai acompanhar esse bebê depois no ambulatório de segmento é super importante. Fisioterapeuta, terapeuta ocupacional, fonoaudiólogo, nutricionista e psicólogo, que é tão importante para os pais e para o bebê ali durante esse período crítico e isso vai fazer toda a diferença, vai mudar destinos, a qualidade de atendimento que esse bebê vai ter durante os primeiros anos de vida, durante a primeira infância.

Blog: Vocês fizeram uma pesquisa que mostra que muitas vezes essas mães e pais de bebês prematuros desconheciam totalmente a possibilidade de o filho nascer antes do tempo antes de passar por essa experiência eles. Claro que ninguém espera por isso, mas ter um bebê prematuro é uma possibilidade.

ONG prematuridade: A gente conversou com mais de 1.400 pessoas e algumas delas eram pais e mães de prematuros e dentro desse grupo em torno de 30% deles desconhecia totalmente o tema prematuridade antes do seu filho prematuro nascer. A gente acredita que seja por desinformação no sentido de que não foi levada essa informação para eles, e não que eles não buscaram. Existe uma maneira de a gente informar os pais grávidos de que existe a chance de um parto prematuro, fazendo isso sem alarmá-los, e sem causar pânico. Então isso que a gente quer muito com o trabalho da ONG, sensibilizar as pessoas para que a gente possa, por exemplo, dentro das unidades básicas de saúde, dentro da atenção primária, fazer com que os agentes comunitários de saúde, visitadores do Programa Criança Feliz falem de prematuridade, tragam esse assunto à tona pra que quando isso aconteça não seja uma surpresa tão grande.

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É óbvio que só passando pela situação para saber, não tem um preparo emocional pra isso, mas tem um preparo que a gente pode trazer de informações para as famílias, de saber como buscar ajuda, 'olha, se o bebê nascer prematuro é assim ou assado, existe um lugar chamado UTI neonatal e o bebê recebe suporte respiratório, vai receber ajuda pra se alimentar com uma sonda, é um momento que é importante conversar com a equipe médica e vocês estarem a par de todas as informações'. Enfim, informação para as famílias que na maioria das vezes 'cai de paraquedas' na UTI neonatal. Muitas vezes a gente pode prever que vem um bebê prematuro, em casos de gêmeos, múltiplos, ou quando a mãe tem alguma situação já mais de fator de risco, mas na maioria das vezes essas famílias caem de paraquedas na UTI.

Blog: Denise, quando você falou desses dados mundiais, como é que o Brasil tá nesse ranking de prematuros?

ONG prematuridade: O Brasil está infelizmente está em 10º lugar em números absolutos de nascimentos precoces - o último levantamento global foi feito em 2012 pela Organização Mundial de Saúde. Agora está sendo feita a edição da década e eu sou membro desse grupo consultivo, represento o Brasil e a América Latina, a gente está fazendo esse levantamento agora. Mas no último levantamento a gente tinha uma média de 12% de nascimento prematuros aqui no Brasil enquanto a média mundial é de 10%, claro que alguns países desenvolvidos têm taxas mais baixas, mas o Brasil é o 10º no ranking, a gente tem aí 12% do total de todos os nascimentos hoje sendo de prematuros o que dá em torno de 340 mil prematuros nascendo todo ano. E com a pandemia a gente viu muitas gestantes no 3º trimestre de gestação com covid e que evoluíram para um parto prematuro, então provavelmente essa taxa de12% deve aumentar.

Blog: Esses bebês na maioria das vezes eles precisam de um acompanhamento a vida inteira, né? Como é que é a infância desse bebê prematuro quando a gente pensa em idas ao médico? Porque a gente sabe que o bebê tem que ir para o pediatra, mas como é essa rotina de cuidados depois que ele recebe alta, que sai do hospital e vai pra casa?

ONG prematuridade: Bem importante a gente falar que o prematuro não deixa de ser prematuro quando ele vai para casa e mesmo se ele for um prematuro tardio, aquele que nasce com 37, 38 semanas de gestação.Mas esses bebês prematuros, tardios ou extremos, precisam de um acompanhamento interprofissional, então várias especialidades da área da saúde e da área médica olhando esse bebê para intervir oportunamente e precocemente para poder prevenir deficiências de longo prazo e algumas sequelas permanentes que podem advir da prematuridade.

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O ideal é que todos os prematuros fossem acompanhados em um ambulatório de segmento, que a gente chama de ambulatório de follow-up, pelo menos até os 2 primeiros anos de vida, o ideal seria durante toda a primeira infância, do 0 aos 6. A questão é que a gente tem poucos ambulatórios nesse estilo no Brasil, a maioria deles está vinculados a grandes hospitais, como Hospital das Clínicas de São Paulo, Hospital das Clínicas de Porto Alegre, enfim, outros grandes hospitais públicos. Então muitas vezes, Rita, os bebês prematuros que saem de UTIs neonatais públicas são muito melhor acompanhados do que os bebês que saem dos hospitais privados, excelentes hospitais privados. Porque como não existe um ambulatório no hospital, esse bebê é acompanhado por um pediatra com regularidade padrão, de ir uma vez por mês, e não é o ideal. Porque o ideal é que ele seja visto por uma equipe interdisciplinar que vai identificar qualquer situação de risco ou algo que levante um alerta, e que se possa intervir precocemente. E não existe hoje um levantamento corretíssimo do número de ambulatórios de segmento que existe no Brasil, agora que o Ministério da Saúde vai regulamentar esses serviços, então dizer qual a equipe mínima, como é que pode e deve funcionar. Então isso vai ser um grande ganho para os prematuros, a regulação dos ambulatórios de segmento. É algo que é muito, muito importante para gente poder prevenir as sequelas prematuridade.

E aqui eu faço só um parêntesis porque a gente tem um grande problema no Brasil que é a questão da cesárea eletiva, que são as cesáreas agendadas sem indicação médica. Como existe sempre uma margem de erro ali da contagem das semanas gestacionais um parto marcado para 38 ou 39 semanas de gestação pode acontecer de o bebê ter menos, 36, 37 semanas, então ele é um prematuro, pode necessitar de suporte ventilatório.

Blog: E quais podem ser essas sequelas da prematuridade? Eu sei que cada caso é um caso, mas das menos graves às menos graves.

ONG prematuridade: Como eu comentei antes, cada vez mais há casos de autismo ligado ao parto prematuro, Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade, questões respiratórias, são crianças que reinternam bastante durante a primeira infância por questões respiratórias, porque os pulmões são os últimos órgãos que se formam na gestação, então eles têm essa parte respiratória mais imatura. A parte oftalmológica também, muitos bebês ficam com algumas sequelas de retina em função do uso de oxigênio na UTI. Muitas vezes bebês que têm hemorragia intracraniana, enfim, acaba evoluindo para uma paralisia cerebral e/ou algum déficit motor. Vai depender muito muito de cada caso, mas os mais comuns são os problemas respiratórios mesmo em função de que eles são super afetados por vírus no inverno, ficam doentinhos assim bem em seguida, é algo que os pais têm que estar sempre bem alertas. E vacinar, por favor, que foi algo bem prejudicado com a pandemia também. Vacinem os prematuros de acordo com o calendário, com aquele período ali, com aquela regularidade, que é muito importante.

Blog: É isso que eu queria te perguntar, os prematuros têm um esquema vacinal diferente, especial. Como é que é isso e por quê?

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ONG prematuridade: Os bebês prematuros estão mais suscetíveis a doenças e infecções, a imunidade deles é mais imatura, então eles seguem o calendário básico do Ministério da Saúde, mas algumas imunizações são específicas para eles. E não todas, porque existem alguns critérios.

Existe um anticorpo que a gente chama de vacina, mas que não é vacina, e que está disponível para os bebês que nascem com menos de 28 semanas de gestação, bebês cardiopatas ou pneumopatas, e que está disponível pelo SUS ou é reembolsado pelos convênios. Então isso está disponível, é algo que a gente tem que falar para as famílias e para os médicos, que muitas vezes não sabem que isso está disponível, isso é bem importante. Então tem essa questão de abaixo das 28 semanas pra se proteger pra se proteger contra o vírus sincicial respiratório, o VSR, que é um dos principais causadores de bronquiolite, e a bronquiolite ela é potencialmente fatal pro prematuro. E o prematuro também abaixo de 31 semanas podem receber vacinas combinadas acelulares, que são vacinas que causam menos efeito colateral protegem contra várias doenças em uma dose isso nos CRIE, que são o Centros de Referência para Imunobiológicos Especiais que estão em todos os estados do Brasil e é vinculado ao PNI, ao Programa Nacional de Imunizações. Então se você é pai ou mãe de prematuro se informe com o médico, com quem acompanha o seu bebê, e se você é médico oriente isso para os seus paciente que nasceram com menos de 31 semanas porque também está disponível pelo SUS.

Blog: Os marcos motores dos prematuros são diferentes, certo? Você não pode esperar que um bebê que nasceu super prematuro comece a sentar, andar ou cumprir alguns marcos na mesma fase de um bebê que nasceu no 'tempo certo', não é mesmo?

ONG prematuridade: A gente não pode querer exigir de um bebezinho que nasceu de 29 semanas cumpra os marcos do desenvolvimento no mesmo período que um bebê que nasceu a termo justamente por essa diferença aí das semanas gestacionais. E é o que a gente chama de 'idade cronológica', que é a idade que o bebê nasceu e ele têm e 'a idade corrigida', que é a idade que ele teria se ele tivesse nascido de 40 semanas. Então é importante lembrar os pais que existe essa correção. Já existe uma comparação natural com os filhos da prima, do vizinho, mas os prematurinhos têm um tempo diferente, cada um deles tem o seu tempo. Por isso que é importante o acompanhamento interdisciplinar, justamente para poder tranquilizar os pais, mostrar que cada bebê tem o seu tempo, pode ser que ele demore mais pra atingir aqueles marcos ali, mas que isso está dentro do normal.

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Opinião por Rita Lisauskas

Jornalista, apresentadora e escritora. Autora do livro 'Mãe sem Manual'

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