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Ser mãe é padecer na internet

Opinião|Frei Betto escreve livro sobre como abordar a morte com as crianças e fala ao blog

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Atualização:

"Como abordar um tema habitual como feijão com arroz, mas amargo feito jiló? Como explicar para uma criança, com a leveza de um saco de pipoca doce, sobre a finitude do ser humano?" Essas são as frases de apresentação do mais novo livro de Frei Betto, "Começo, meio e fim".

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Ao ler que o querido Frei tinha escrito sobre a morte para crianças não me aguentei de curiosidade e entrei em contato com ele. Como escrevi no blog, enfrentamos uma perda muito grande: a professora querida do meu filho Samuel morreu em um acidente de carro há pouco mais de um mês. E a maneira de abordar esse assunto com as crianças não foi uma dúvida só minha: foi de todos os pais dos alunos e também da escola. Como explicar para nossos filhos que estão no auge da beleza inocente da infância que a vida é assim -por mais que pareça injusta, despropositada e cruel? Há um começo, um meio e um fim e não sabemos em que altura da nossa trajetória o ponto final será pingado. Mas essa é uma das poucas certezas que temos.

O contato com Frei Betto foi simples, rápido e sem burocracias. Confesso que esperava exatamente isso desse escritor e religioso tão admirado. Frei Betto militou em movimentos sociais, lutou contra a ditadura e por isso passou quatro anos atrás das grades. Também foi um dos mentores do programa Fome Zero. Já tem mais de cinquenta livros publicados no Brasil e no exterior e foi vencedor de dois prêmios Jabuti. Mesmo com tantos predicados e tantos afazeres se mostrou prontamente disponível. Junto com as perguntas enviei também dois textos meus sobre o assunto- um publicado no site da Revista TPM e outro no blog. Logo chegaram as respostas e até um comentário sobre como eu abordei a morte com o meu filho tão pequeno, ou seja, ele também se deu ao trabalho de ler meus escritos.

1.Por que escrever um livro infantil tratando sobre a morte? Algo em sua vida ou círculo de amigos o motivou?

Frei Betto: Rita, tenho 16 sobrinhos e 18 sobrinhos netos! Minha mãe transvivenciou aos 93 anos em 2011, em junho. No réveillon, que eu costumava passar com ela, me vi só e essa história brotou em mim. Como explicar a morte para as crianças? Tenho um casal de amigos que perdeu os pais em acidente aéreo. Ele com 6 anos, ela com 4, não foram levados ao velório e ao enterro. Ficaram com a sensação de que os pais foram abduzidos... Anos de análise! Fui ao primeiro velório aos 4 anos. Me fez bem ver minha tia Diva no caixão. Ana Thereza, sobrinha neta, aos 4 anos entrou no velório de minha mãe e disse à mãe dela: "Como a vovó está bonita de noiva." Minha mãe estava toda de branco, como pediu.

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2.A sua escrita foi intuitiva ou você buscou um profissional como um psicólogo para orientar a abordagem desse assunto com os pequenos?

Frei Betto: Foi intuitiva. Depois busquei crianças para as quais li os originais.

3.Quantos anos tem sua personagem do livro e como foi para ela perceber que aquele domingo "não tinha cara de algodão-doce" como os outros na casa dos avós?

FB: A personagem não tem nome. Tinha que ser um relato na primeira pessoa. Como foi para ela perceber (sobre o domingo) está no livro...

4.Como falar sobre a morte com as crianças? A partir de qual idade elas ganham entendimento para entender o começo, meio e o fim da vida?

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FB: Não sei, mas suponho que as crianças percebem isso muito mais cedo do que imaginamos. Já li que crianças com menos de 1 ano sabem que um adulto está carente e procuram consolá-lo.

5.Na sua opinião é importante falar sobre fé para lidar com o ciclo da vida?

FB: Considero a fé uma importante chave de leitura e compreensão da vida. Ela imprime sentido à existência e nos conecta com o Transcendente. Penso que todos os pais deveriam ensinar as crianças a orar. Aos 90 anos elas terão essa reserva sobrenatural no coração.

6.Qual foi seu primeiro contato com a morte, quais são suas lembranças e como elas te influenciaram como escritor deste livro em especial?

FB: Meu primeiro contato foi no velório de minha tia Diva. Eu tinha 4 anos. Depois lidei com a iminência da morte em meus 4 anos de prisão, que descrevo em "Cartas da prisão" (Editora Agir), e "Batismo de sangue" e "Diário de Fernando", ambos da Rocco.

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7.Qual o conselho que você dá aos pais que têm que encarar a morte de alguém próximo e ainda explicar isso aos filhos?

FB: O primeiro conselho é levar a criança ao velório e ao enterro ou cremação, de modo que ela aprenda a participar dos ritos de passagem. E procurar, como você fez, explicar à criança porque uma pessoa transvivenciou e o que isso significa.

"Começo, Meio e Fim" é ilustrado pela artista Vanessa Prezoto e conta a história de uma menina que associa as pessoas e coisas à comida: o semblante do pai parece uma maçã caramelada e o domingo tem cara de algodão doce. O rosto da avó querida lembra bolo de chocolate. Até o avô ficar doente, porque daí tudo ficou sem cor e com cara de bolo solado. Acamado, mais cheio de sabedoria e carinho como um sonho recheado de doce de leite, o avô ensina à neta sobre o ciclo da vida - começo, meio e fim - e a inevitabilidade da morte. Tudo e todos têm um fim. Como um prato que enchemos de comida, comemos e depois fica vazio.

Frei Betto encerra o email me mandando um "abraço com muita paz". E me aconselha: se não encontrar "Começo, meio e fim" nas livrarias é só escrever à sua assessora Teca Carvalho (tecacarvalho@uol.com.br) que ela envia o livro pelo Correio. A vida pode ser simples, né?

 

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Opinião por Rita Lisauskas

Jornalista, apresentadora e escritora. Autora do livro 'Mãe sem Manual'

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