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Ser mãe é padecer na internet

Opinião|Explique para seu filho que um homem pode amar um homem e uma mulher pode amar uma mulher

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Ilustração: O Livro da Família. Autor: Todd Parr Editora: Panda Books. Foto: Estadão

Domingo à noite e a polêmica reacendeu, já que era dia de Parada Gay. Segunda-feira a polêmica ainda era a mesma: havia várias hashtags condenando o evento na Avenida Paulista, a transexual que fez o papel de Cristo crucificado (Neymar e Thiago Lacerda podem, uma transexual não?) e a propaganda do dia dos namorados d´O Boticário (ainda), mesmo duas semanas depois do lançamento. Uma avalanche de ódio contra os homossexuais, contra a marca e contra todos que decidiram apoiar a causa LGBT.

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As imagens da Parada Gay não chocam meu filho, pelo contrário. Ele acha tudo colorido, divertido e engraçado. Há milhares de famílias que sabem que o clima na Parada LGBT é de paz e tolerância e que levam seus filhos para assistir, participar e aprender a respeitar a diversidade. Como não consegui ir até à Paulista decidi mostrar a ele, então, a tal propaganda d´O Boticário para ver o que uma criança tão sem filtro e no auge dos seus 5 anos achava daquilo. A única explicação que dei antes de apertar o play, foi: "Esse vídeo é sobre o dia dos namorados, filho!". Samuca prestou atenção atentamente ao filme que mostra pessoas comprando presentes, fazendo um jantar especial e se arrumando para encontrar os namorados. Um homem abraça outro e o presenteia. Uma mulher abraça um rapaz em um restaurante e faz o mesmo. Duas moças também se abraçam e trocam presentes. Ele só comentou no final dos 30 segundos de propaganda, meio incrédulo: "Esse 'filme' não tem nada demais, mãe. Não sei porque me fez assistir."

Insisti. Fiz com que ele visse de novo. Os comentários vieram, só porque ele sabia que era isso que eu queria dele. Eu estava até com uma caneta e um bloco de papel em mãos, para anotar todas as suas impressões.

"Ele está comprando o presente do dia dos namorados, mãe?"

"A moça está cozinhando."

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"Eles estão se arrumando para ir na casa dos namorados."

"Pegaram um táxi."

"Agora estão se abraçando para comemorar o dia dos namorados".

"Agora posso ir?", perguntou, com cara de tédio. E voltou a brincar com suas cartas Pokémon.

Tenho vários amigos gays. Eles frequentam minha casa com seus namorados/maridos. Meu filho e meus enteados aprenderam desde pequenos que isso é n-o-r-m-a-l. Que cada um ama quem quiser. E... surpresa! Não viraram gays por causa dessa convivência (não que isso fosse problema para nós, em absoluto). Apenas se transformam em pessoas melhores e mais tolerantes. Olha que efeito colateral ótimo.

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Semana passada eu e meu marido estávamos zapeando a TV um pouco antes de dormir. De repente, uma cena em um filme já começado fez meu filho soltar um grito: Um gladiador acabara de furar o abdômen do outro com uma adaga. Ele colocou as mãozinhas nos olhos e começou a tremer. Mudamos rápido de canal, mas o guri já estava muito assustado. Pediu para passar a noite com a gente. Se tivesse assistido ao beijo na boca de Fernanda Montenegro e Nathália Timberg na novela dormiria com os anjos, pode apostar.

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A psicologia já sabe, assim como a Organização Mundial da Saúde, que homossexualidade não é uma patologia, e por isso não pode e não deve ser "tratada". Isso é o que diz a ciência. Quem cita o Velho Testamento da Bíblia para justificar seu preconceito deve lembrar que lá há passagens que afirmam até que as "virgens que forem estupradas devem casar com seu estuprador". Uma leitura da mesma Bíblia, só que do Novo Testamento, vai nos lembrar que Jesus adorava andar com as minorias, aquela gente marginalizada para quem todos apontavam o dedo e viravam as costas. Se voltasse agora, como todos os Cristãos desejam, Jesus estaria em cima daquele caminhão que abre a Parada LGBT, microfone em punho, pregando o amor e a tolerância. Tenho certeza absoluta.

Quer um mundo melhor? Explique para seu filho que existem homens que namoram homens, mulheres que namoram mulheres, homens que se vestem de mulheres, mulheres que se vestem de homens. Você vai se surpreender com o entendimento dele. Talvez que ele te dê a mesma resposta que a do Samuca: "Isso não é nada demais, mamãe."

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Leia também: O dia que Samuca, Elisa e Manu aprenderam que há várias formas de se formar uma família 

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Leia mais: Casal gay conta a história de adoção do filho, rejeitado por três casais heterossexuais: "Acharam ele muito feio e negro demais"

 

Opinião por Rita Lisauskas

Jornalista, apresentadora e escritora. Autora do livro 'Mãe sem Manual'

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