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Opinião|Crianças de 3 a 5 anos foram deixadas de lado na vacinação contra o coronavírus

Grupo de pais pressiona por aprovação da CoronaVac para essa faixa etária

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Atualização:

 Foto: Pexels

Já faz mais de 100 dias que o Instituto Butantan, o fabricante brasileiro da vacina CoronaVac, entrou com o pedido na Anvisa para a liberação dessa vacina para crianças entre 3 e 5 anos de idade. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária costuma analisar solicitações emergenciais como essa em 30 dias, mas nesse meio tempo houve solicitações extras de dados e informações (o que é legítimo e esperado), pedidos de pareceres às sociedades médicas (idem), fazendo com que o prazo se estendesse para além do que qualquer pai e mãe que esteja com o filho desprotegido contra a doença consiga entender ou suportar.

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Essa mesma vacina, a CoronaVac, está sendo utilizada em outros sete países para imunizar crianças menores de seis anos anos:  China, Hong Kong, Equador, Colômbia, Tailândia, Camboja e Chile -  este último protege seus pequenos dessa faixa pediátrica desde o dia 6 de dezembro do ano passado. Dados sobre a imunização das crianças chilenas foram, inclusive,  apresentados no último dia 2 de junho pelo Butantan nessas idas e vindas de pedidos de mais informações para a análise da aprovação emergencial da CoronaVac.

Que as UTI´s pediátricas de todo o país estão cheias desde o começo do outono por conta de várias infecções respiratórias, não apenas as provocadas pelo coronavírus, todos sabemos. Mas só nesta semana entendemos de forma clara quantas crianças a Covid matou desde o início da pandemia pelos dados divulgados pelo Observa Infância, ligado à Fiocruz: só no Brasil, duas crianças menores de 5 anos de idade morreram em média todos os dias desde o começo da emergência sanitária; foram 599 crianças em 2020; 840 em em 2021; e este ano já foram registradas 291 mortes de crianças desta faixa pediátrica. Estarrecedor, para dizer o mínimo. Muitos desses óbitos seriam evitados se essas crianças tivessem sido vacinadas? A Ciência nos leva a acreditar que sim.

Há aproximadamente um mês e meio tenho notado um movimento nas redes sociais de pais e mães da sociedade civil pedindo para que a Anvisa seja célere nessa aprovação das vacinas para as crianças menores de cinco anos, sem abdicar dos critérios de observância de qualidade, eficácia e segurança que norteiam a agência no momento de liberar uma vacina. Eles promoveram um abaixo-assinado que conta com 3.700 assinaturas, entram em contato constante com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária para entender os processos e prazos e fazem threads quase diariamente no Twitter agregando reportagens feitas pela imprensa sobre o coronavírus e as crianças desprotegidas, além de campanhas constantes pelo Instagram do movimento, o @coronavac3a5anosja.

O servidor público Fábio França, 39, pai de duas meninas de 4 e 5 anos, faz parte do grupo e é incansável em pedir transparência à agência. "O mínimo que esperamos, como cidadãos, é transparência. É inaceitável o silêncio da Anvisa depois de mais de 100 dias de espera e do não cumprimento do prazo estabelecido pela própria agência", afirmou em entrevista pelo telefone. "Construímos alguns canais de diálogo com a Anvisa ao longo desse processo. Mas, neste momento, as respostas são muito genéricas e não há um posicionamento oficial sobre essa avaliação. A última notícia sobre o assunto no site da Anvisa é do dia 8/6. A agência não divulgou sequer o recebimento dos pareceres das sociedades médicas na última semana. Não há definição de data para a reunião de diretoria, nem um cronograma de trabalho estabelecido. Não sabemos a razão dessa demora. O último documento público em que podemos ter alguma noção de uma avaliação parcial da equipe técnica é o ofício enviado ao Butantan em 14/4 com exigências, hoje todas já cumpridas. Os três obstáculos colocados no documento claramente não justificam o atraso da vacinação e já manifestamos isso em detalhes para a Anvisa", completa.

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O servidor público Fábio França, pai de duas crianças de 4 e 5 anos Foto: Estadão

Entrei em contato com Butantan, que garantiu que todos os pedidos de informações já foram atendidos. Por e-mail, também procurei a Anvisa que afirmou que "na última semana (22/06), recebeu os últimos pareceres das sociedades médicas que estão colaborando com o processo de avaliação de vacinas para o público infantil" e que "o processo segue em análise, mas ainda não é possível antecipar a data de conclusão". 

O grupo de pais liderados por Fábio se mantém atento a todos os passos do processo de autorização da vacinação de crianças menores de cinco anos no Brasil e no mundo. E acreditam que a agência brasileira está cometendo "um grave erro de avaliação, com resultados dramáticos". "Em todas as nossas conversas com representantes da Anvisa, do Butantan, do CONASS e com médicos e especialistas, ninguém questionou a segurança da vacina. Ao contrário, a plataforma de vírus inativado é muito segura e amplamente utilizada por outras vacinas nessa faixa etária há muito tempo. Superada a questão da segurança, entendemos que dúvidas sobre o nível exato de proteção contra casos graves, duração da proteção ou necessidade de terceira dose são relevantes, mas não podem impedir, de forma alguma, a proteção inicial das crianças. Vale lembrar que o FDA, nos Estados Unidos, também se deparou recentemente com algumas dessas dúvidas na avaliação da Pfizer e da Moderna para a faixa de 6 meses a 4 anos e aprovou por unanimidade em razão da segurança das vacinas e do claro benefício apesar das incertezas. A vacina está disponível, e as crianças e as famílias têm o direito de continuar o enfrentamento da pandemia na mesma situação que as demais faixas etárias, em que a vacinação permitiu uma convivência menos dramática com o vírus. Portanto, uma parte importante dessas mortes do estudo da Fiocruz eram evitáveis. E são mortes evitáveis de crianças! Entendemos que nada pode ser mais importante ou urgente do que isso", completou.

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Opinião por Rita Lisauskas

Jornalista, apresentadora e escritora. Autora do livro 'Mãe sem Manual'

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