Foto do(a) blog

Ser mãe é padecer na internet

Opinião|CoronaVac liberada para os pequenos, mas vacina no braço ainda deve demorar

País que era exemplo mundial em vacinação agora é sinônimo de falta de coordenação e de planejamento

PUBLICIDADE

Foto do author Rita Lisauskas
Atualização:

 

 

Ontem a Anvisa liberou, finalmente, a CoronaVac para os pequenos e este é o primeiro imunizante contra o coronavírus autorizado no Brasil para essa faixa pediátrica dos 3 aos 4 anos, 11 meses e 29 dias (crianças a partir dos 5 anos podem se vacinar com o imunizante da Pfizer). Foram mais de 100 dias até que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária se sentisse segura para recomendar o uso dessa vacina para proteger as crianças contra as formas graves do coronavírus.

PUBLICIDADE

O gerente-geral de medicamentos e produtos biológicos da agência reguladora, o farmacêutico Gustavo Mendes, em sua exposição durante a reunião que durou mais de quatro horas e que deliberou sobre o assunto, deixou claro o quanto os padrões da Anvisa são altos para a liberação de novos medicamentos e, em seu LinkedIn, repetiu o que disse na reunião: que a CoronaVac "mostrou indicativos de benefícios importantes, especialmente para essa faixa etária, que não tem opções terapêuticas". No mesmo encontro, o médico Marco Aurélio Sáfadi, presidente do Departamento de Infectologia da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), defendeu a imunização dessa faixa etária com argumentos importantes e irrefutáveis: já há mais de 952 mortes de crianças atribuídas à covid desde o início da pandemia, existem doenças que matam muito menos as crianças e para as quais já há vacinas liberadas e incorporadas ao Programa Nacional de Imunizações (PNI), e as pesquisas conduzidas nessa faixa etária não identificaram "nenhum efeito adverso novo". Além disso, as pesquisas apresentadas na reunião mostraram que a vacina tem o perfil de segurança alinhado às expectativas, reduz o risco de morte e de hospitalizações de crianças em mais de 55% e , administrada no mesmo esquema vacinal dos adultos, ou seja, em duas doses com 28 dias de intervalo, gera de 3 a 4 vezes mais anticorpos no que nos adultos que receberam o mesmo imunizante.

Eba! Posso ir ao posto de saúde vacinar meu filho, então?

Não. Ainda não.

Liberar o uso de uma vacina é uma coisa, incorporá-la ao Programa Nacional de Imunizações (PNI) é outra coisa. Apurei que haverá uma reunião da Câmara Técnica do PNI nesta sexta-feira, dia 15/07, e que dela pode sair uma nota técnica recomendando estados e municípios a vacinarem essa faixa pediátrica de 3 a 5 anos. Tentei confirmar essa reunião com o Ministério da Saúde, sem sucesso. Aliás, o Ministério da Saúde não gosta muito de falar sobre vacinação com a imprensa, nem estimular a população a se imunizar,  e tampouco se preocupa em dar transparência e visibilidade a processos internos (ou em acalmar coração de mães e pais que esperam ansiosamente pela vacina).

Publicidade

O que perguntei à pasta nesta quinta pela manhã?

1) Quando haverá reunião do PNI para possível nota técnica recomendando a vacinação das crianças dessa faixa etária?

2) Quantas doses de CoronaVac há disponíveis no estoque do Ministério da Saúde?

3) Há previsão de compras de novas doses? Segundo o Butantan, a última compra foi feita em janeiro, 10 milhões de doses, quando houve a liberação da vacinação com Coronavac a partir dos 6 anos de idade.

São perguntas bem básicas e para as quais o Ministério deveria estar pronto a responder.

Publicidade

O retorno que obtive, quatro minutos depois do e-mail enviado:

CONTiNUA APÓS PUBLICIDADE

"Bom dia, Rita! segue o posicionamento do Ministério: 
NOTA
O Ministério da Saúde vai avaliar, junto à Câmara Técnica Assessora em Imunizações, o uso do imunizante nesta faixa etária."
Ou seja, a resposta foi um nada. Como se as perguntas não fossem pertinentes, como se o jornalismo não tivesse o direito de fazê-las, como se pais e mães não merecessem transparência e previsibilidade.

Recentemente, o Instituto Butantan interrompeu a produção da CoronaVac por falta de encomendas do seu único comprador, o Ministério da Saúde. Até ontem pela manhã, me informa a assessoria de imprensa do próprio Instituto, nenhuma nova encomenda da CoronaVac foi feita. Serão necessárias 10 milhões de doses para imunizar essa população pediátrica, de 3 a 4 anos, 11 meses e 29 dias - e quem fez essa conta para mim foi o pediatra e presidente do Departamento de Imunizações da Sociedade Brasileira de Pediatria, Dr. Renato Kfouri - 5 milhões para a primeira injeção, 5 milhões para a segunda, 28 dias depois. Existem essas doses em estoque? Não sabemos.

Publicidade

Ontem o secretário de saúde do estado de São Paulo, Jean Gorinchteyn, aventou a possibilidade de importação de CoronaVac da China, acrescentando mais 45 dias no calendário de mães e pais (de São Paulo) que clamam por essa vacina há pelo menos seis meses, já que o Chile, nosso país vizinho, começou a imunização de suas crianças dessa faixa etária em dezembro do ano passado. Pais e mães de outros estados: não sabemos como vai ser o calendário para vocês.

E pensar que o Brasil já foi exemplo mundial em campanhas de vacinação. Hoje em dia somos exemplo apenas de falta de coordenação e planejamento, mais uma tragédia para a nossa lista interminável de tragédias.

 

Opinião por Rita Lisauskas

Jornalista, apresentadora e escritora. Autora do livro 'Mãe sem Manual'

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.