PUBLICIDADE

Foto do(a) blog

Ser mãe é padecer na internet

Opinião|#AnunciaPraMim e deixa meu filho fora disso! Um apelo de pais e mães às vésperas do dia das crianças.

Foto do author Rita Lisauskas
Atualização:

 

 Foto: Estadão

Dia desses eu contei: Samuca comentou e pediu todos os brinquedos das propagandas que passaram no intervalo do seu então desenho preferido, "A Pantera cor-de-rosa". Foram umas dez em sequência. Ia desde brinquedos de massinha, passou por uma panelinha que faz fondue para crianças (!?!) até "uma super pista de manobras que é pura adrenalina". "É irado!". "Acelera!" "É você que controla onde ele vai!" "É diversão para a família toda!" "É um super ataque de mísseis" "Fight! Quem será que vai vencer essa?" "Um mundo de aventuras!" "Defenda a galáxia!"... Ufa! Foram pouco mais de quatro minutos alucinantes com uma sequência de música "bate-estaca" que conseguiria deixar ansioso até um monge budista. Quando as propagandas acabaram, o desenho recomeçou com uma vinheta que anunciava a "programação especial do dia das crianças!" Daí eu entendi o porquê daquela avalanche de propagandas. O dia das crianças estava logo ali.

PUBLICIDADE

No dia 13 de março de 2014 foi aprovada uma resolução do Conanda, órgão ligado à Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, considerando "abusiva a publicidade e comunicação mercadológica dirigidas às crianças com o uso de linguagem infantil, de pessoas ou celebridades com apelo ao público infantil, de personagens ou apresentadores infantis, dentre outras."

Todas as propagandas que eu assisti naquele intervalo interminável eram apresentadas por crianças. E perguntei ao Instituto Alana, ONG que é uma das principais defensoras do fim da publicidade infantil, porque isso ainda acontece. "Muitas empresas, infelizmente, não estão respeitando a norma e, consequentemente, os direitos de milhões de crianças brasileiras", afirma a Ekaterine Karageorgiadis, advogada da ONG."Além disso, falta fiscalização e aplicação das penalidades cabíveis, estabelecidas no Código de Defesa do Consumidor. O Instituto Alana encaminhou uma denúncia à Secretaria Nacional do Consumidor do Ministério da Justiça em maio, porque muitas empresas continuam veiculando ações de marketing voltadas às crianças", explica.

"A maioria dos pais acha legal uma aula de nutrição e culinária patrocinada por uma marca de alimentos dentro da escola. Eu não acho", afirma a mãe de 3, Denise Silveira. Foto: Estadão

Por isso, o mesmo Instituto Alana lançou a campanha #AnunciaPraMim, que quer estimular os adultos a enviar cartas às empresas que fazem campanhas publicitárias dirigidas às crianças, o que é ilegal. Quem tiver interesse em participar deve acessar o site www.anunciapramim.com, informar seu email (que será mantido sob sigilo) e dizer qual empresa flagrou agindo contra a lei. Os dados servem de base para uma carta que é enviada para a empresa citada, solicitando que ela pare de enviar mensagens publicitárias às crianças e passe a dirigir seu marketing aos adultos. "Queremos sensibilizar as empresas para os direitos das crianças, para que elas mudem suas políticas institucionais e passem anunciar para os pais e responsáveis, que detém o poder de compra", explica. "Os casos denunciados serão analisados e poderão orientar futuras ações jurídicas", completa a advogada.

Mas não cabe a nós, pais, dizer "não" aos filhos e mostrar que não se pode ter tudo nessa vida? Eu faço isso, mas confesso que é cansativo demais dizer que ele não vai tomar o suco do personagem x toda a vez que vamos ao mercado, já que eu, como mãe, sei que aquela não é a opção mais saudável para ele. Já o Samuca acha que se beber o tal suco vai herdar todos os poderes do personagem que está na embalagem e por isso não entende minhas negativas. Insiste. E eu insisto também. Segundo Laís Fontenelle, psicóloga do Projeto Criança e Consumo do Instituto Alana, "a publicidade abusiva é aquela que se aproveita da deficiência de julgamento e de experiência da criança". Segundo ela, "até os 12 anos de idade, em média, as crianças passam pela fase de desenvolvimento emocional, cognitivo e psíquico em que se encontram e ainda não conseguem ter a capacidade crítica para lidar com os apelos de consumo." Melhor do que gastar energia tentando dar uma explicação racional para seu filho enfeitiçado pelo mundo irreal que a propaganda vendeu (e ele acreditou), é direcionar sua energia para termos um mundo onde a publicidade seja direcionada a quem entenda quais são os efeitos dela: nós, os adultos.

Publicidade

Foi isso que fez a jornalista Denise Silveira, uma das primeiras a denunciar ações abusivas da publicidade sobre os filhos, em 2009. Ao chegar para deixar as crianças na escola, ela se deparou com a ação de marketing na porta da instituição - um colégio particular e tradicional na zona oeste de São Paulo. Uma modelo de pijamas se espreguiçava em uma cama instalada na calçada enquanto oferecia às crianças amostras de um creme que prometia acabar com aquela "cara de sono matinal". Procurou a diretora, que não via mal algum naquilo, inclusive tinha autorizado que ocupassem a calçada em frente à escola. "Nenhuma ação como essa é ingênua", afirma Denise, que procurou a diretoria para mostrar seu descontentamento. "Não sou totalmente contra a publicidade, embora seja favorável à proibição da publicidade infantil, como acontece na Inglaterra." Na mesma escola o filho de Denise ganhou brindes de uma fabricante de leites e iogurtes, que ela devolveu. "A questão toda é a deslealdade com que eles travestem as ações de marketing como educativas. Não quero que meu filho ache a marca legal porque ganhou uma vantagem, entende? Mas a maioria dos pais e mães acha legal ganhar presentinhos. Assim como acha legal uma aula de nutrição e culinária patrocinada por uma marca de alimentos dentro da escola. Eu não acho", completa. Denise ressalta que botou a boca no trombone não só pelos filhos, mas sim porque acreditava que aquilo era prejudicial às crianças.

Ricardo Ferraz e os filhos: "Eu sou responsável por eles. #AnunciaPraMim." Foto: Estadão

O também jornalista Ricardo Ferraz, pai de uma menina de 10 anos e de um menino de 5, aderiu à campanha e postou em sua página do Facebook: "Se eu sou responsável pelo o que meu filho come e veste, pelos lugares onde ele vai, pela escolha da escola onde ele estuda, os lugares que frequenta, pelo que ele vê na televisão, enfim, pelo que ele consome, eu devo receber as mensagens publicitárias, não ele. Não se trata de cercear a liberdade de expressão, mas de impor responsabilidade aos anunciantes, aliás, como já preveem o Conanda e o Código de Defesa do Consumidor.?#?AnunciaPraMim?."

Semana passada recebi um convite via email para levar meu filho para conhecer a fábrica de hambúrgueres de uma conhecida rede de fast food, como um "presente" de dia das crianças. Na hora dei risada e pensei: "Esses nunca leram meu blog e não sabem o que penso". Na correria, ignorei a mensagem, sabendo que aquele apelo nunca me seduziria, pelo contrário. Dias depois recebo outro email, informando que o passeio "tinha sido cancelado". Não havia maiores explicações. Desta vez deixei a preguiça de lado e escrevi uma mensagem perguntando o porquê do cancelamento. Ninguém me respondeu. Será que pais e mães como Ricardo e Denise estão finalmente ganhando força? Tomara.

____________________________________________________________________________

Siga o "Ser mãe é padecer na internet" no Facebook: https://www.facebook.com/padecernainternet

Publicidade

Também me siga no Twitter: https://twitter.com/RitaLisauskas

Se quiser entrar em contato com o blog, escreva para ritalisauskas@gmail.com

 

Opinião por Rita Lisauskas

Jornalista, apresentadora e escritora. Autora do livro 'Mãe sem Manual'

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.