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Ser mãe é padecer na internet

Opinião|A luta para que a fissura labiopalatina seja reconhecida como deficiência

Uma em cada 650 crianças nasce com esse defeito congênito

Foto do author Rita Lisauskas
Atualização:

 Foto: Banco de Imagem

A fissura labiopalatina, um dos defeitos congênitos mais comuns entre as malformações que afetam a face, é diagnosticada em uma a cada 650 crianças nascidas no Brasil. Suas causas não são bem definidas, mas sabe-se que ela ocorre entre a quarta e décima semana de gestação. O tratamento é longo, compreende diversas etapas terapêuticas que têm que acompanhar o crescimento craniofacial do bebê. Cuidados multidisciplinares e a longo prazo não são para todos no Brasil, lembra Renata Cezar, advogada da Rede PROFIS, organização sem fins lucrativos que tem como compromisso apoiar o desenvolvimento institucional das Associações de Pais e Pessoas com fissura labiopalatina do país. "Frequentemente as minorias são deixadas às próprias mazelas, sendo privadas do acesso ao direito à saúde universal e igualitário", pontua.

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A minoria a qual ela se refere nem é tão minoria assim: o censo de 2010 do IBGE apontou uma população de 190.755.799,00 pessoas no Brasil "e, por estimativa há cerca 293.479,46 pessoas com fissuras labiopalatinas no Brasil, distribuidas pelos 5.565 municípios", conclui Renata, que também foi conselheira do Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais da Universidade de São Paulo, campus Bauru.

Ao blog ela conta um pouco da sua luta para que a fissura labiopalatina seja reconhecida como deficiência e por que esse Natal é especial para ela e para a família.  "Depois de 25 anos de tratamento, meu irmão finalmente teve alta. Na verdade, toda nossa família teve", conta. Thyago nasceu com a fissura labiopalatina e foi o responsável por Renata embarcar de corpo e alma na luta para que outros pacientes, como ele, tivessem acesso ao tratamento adequado.

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Renata e o irmão que nasceu com fissura labiopalatina: alta depois de 25 anos de tratamento  Foto: Estadão

Blog: Como foi o tratamento do seu irmão?

Renata: Minha família é de São Paulo, mas meus pais se mudaram para Bauru para garantir o melhor tratamento para o meu irmão. Ele nasceu com a fissura e um dos maiores centros de referência é na cidade. Minha mãe parou de trabalhar, eu sempre estava com ele no hospital pois ela não tinha com quem me deixar. Quando deram a alta para ele, deram para toda nossa família. Até hoje me emociono pois foram 25 anos de tratamento.

Blog: Quais são as principais dificuldades de quem tem fissura labiopalatina?

Renata: A fissura labiopalatina tem um estigma muito ruim. A falta de informação e do reconhecimento dela como deficiência dificulta ainda mais que as pessoas entendam que aquela fissura traz limitações não só ao paciente como todo seu entorno.

Blog: Reconhecer a deficiência é o primeiro passo, então?

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Renata: Primeiro, mas não único, pois é necessário observar o direito à igualdade para que possamos conferir a dignidade da pessoa humana para as minorias desprestigiadas pelo direito sanitário. Temos lutado para que o Congresso Nacional, as Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais aprovem lei sobre a matéria. Participamos de inúmeras audiências públicas, onde levamos a equipe técnica multidisciplinar, associações, pacientes e familiares para que sejam ouvidos, demonstrando a real necessidade desse reconhecimento. O fato de existir uma possibilidade de reabilitação não diminui as dificuldades que um fissurado enfrenta, sobretudo as mulheres e as mães de crianças com fissura labiopalatina.

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Blog: As mulheres sofrem mais dificuldades? Por quê?

Renata: Eu cresci no 'Centrinho' (Centro de Referência de tratamento em Bauru) pois meu irmão fez tratamento lá durante 25 anos. Minha mãe parou de trabalhar e de estudar para poder levar meu irmão ao tratamento, que não se restringia ao hospital, também era feito em casa e nas fonoterapias. Quem arca com uma deficiência? A família toda arca, mas o peso recaí sobre as mulheres. São elas que lutam e que mais pagam o preço, assim como também são elas que estão à frente das associações. Hoje vejo o quanto um benefício (O BPC, Benefício assistencial à pessoa com deficiência, concedido pelo INSS) naquela época, ainda que mínimo, teria feito a diferença.

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Blog: Como fica essa luta em 2020?

Renata: Felizmente há um movimento crescente das casas legislativas, algo que começou nos municípios e depois foram os estados que aprovaram as leis que reconhecem a fissura labiopalatina como deficiência, ainda que reabilitável. Cremos que no próximo ano a Câmara dos Deputados vai olhar para este ano de conquistas nas esferas municipais e estaduais com outros olhos, reconhecendo a necessidade de uma política pública de atenção para a pessoa com fissura labiopalatina.

Blog: Já há projetos de lei tramitando no Congresso Nacional?

Renata: Sim. Há um Projeto de Lei no Senado, apresentado pelo senador Eduardo Braga (AM) que determina que a criança ou o adolescente com fissura labiopalatina tenha assegurado o tratamento clínico, cirúrgico e de reabilitação no Sistema Único de Saúde (SUS). A matéria aguarda a designação de relator na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa. Já na Câmara dos Deputados há um projeto que determina que as pessoas com fissura palatina ou labiopalatina não reabilitadas sejam reconhecidas como pessoas com deficiência e tenham os mesmos direitos e garantias que elas. O objetivo do projeto, que ainda não foi a plenário, é proteger aqueles pacientes que não conseguiram a reabilitação, ou seja, aqueles que ainda necessitam de tratamento, ou que, mesmo após finalizado o tratamento, apresentam sequelas funcionais.

Blog: O presidente Jair Bolsonaro vetou hoje o projeto de lei que aumentaria o limite de renda per capita familiar para recebimento do Benefício de Prestação Continuada, ou seja, apenas pessoas muito pobres, que têm renda per capita mensal inferior a 25% do salário mínimo têm direito ao BPC. O que você achou dessa medida?

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Renata: Esse veto prejudica muito o acesso à saúde a uma vida digna. A régua baixa muito. A maioria das mulheres que vêm buscar tratamento são mães sozinhas de famílias desestruturadas. Mas mesmo sendo um valor muito baixo, ainda é um valor muito significativo.

Opinião por Rita Lisauskas

Jornalista, apresentadora e escritora. Autora do livro 'Mãe sem Manual'

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