Quem não foi, perdeu. Eu perdi. Estava de plantão na redação, trabalhando pesado no fim de semana da Virada Cultural. Portanto, este blogueiro, artista e diagramador (xingado de vagabundo e ladrão de dinheiro público por aquele deputado antipovo, para o qual desejo a cassação), não pôde curtir os muitos e diversificados programas artísticos oferecidos à população. A partir do que li na imprensa e nas redes sociais e do que ouvi de amigos e artistas que participaram dela (e dos que não participaram também), deixo aqui algumas curtas considerações.
A descentralização dos palcos (cerca de 100 espalhados pela cidade), além de ser mais democrática, distribuiu melhor o público, facilitando aos moradores dos bairros mais distantes o acesso aos shows e eventos. Também por isso, o centrão recebeu menos gente do que em outras edições, o que proporcionou mais conforto, espaço e visibilidade para assistir aos shows e maior mobilidade aos que desejaram transitar de um palco a outro, usufruindo dos vários shows.
A Virada teve aproximadamente 700 atrações, do Brasil e de mais 10 países: festas de rua, brincadeiras e oficinas com atividades para crianças, performances de artistas circenses, dança e teatro (espetáculos que foram incluídos na ‘happy hour’ de sexta-feira, a novidade desta edição), atividades nos parques, bibliotecas, sescs e em 10 CEUs, apresentação de 24 coletivos de saraus, além de inúmeros shows com artistas anônimos e famosos.
Segundo dados da Secretaria de Segurança Pública, foi a Virada mais pacífica de todas, com 19 ocorrências policiais e seis detidos (4 adultos e 2 menores). Pesquisa da SP Turismo aponta que o paulistano gostou mais da Virada deste ano, dando-lhe nota maior que a do ano passado (de 8,2 para 8,4).
O Sarau da Maria, do qual sou um dos organizadores, se inscreveu pela segunda vez. Eu também, como cantor e poeta, pela terceira vez. Não fomos contemplados. Mas, caso estivesse de folga, eu poderia ter cantado ou declamado em algum dos 24 coletivos que abriram espaço a todo e qualquer tipo de artista que se inscrevesse. Alguns amigos (artistas e organizadores de saraus que nunca participaram), falam em panelinhas e reclamam da presença dos medalhões. Não me alinho com eles. O público merece ver seus grandes ídolos, de graça. Atraído por eles, acaba conhecendo também os artistas jovens e os alternativos da programação. Por mais que possam existir ‘esquemas’ ou que a organização necessite de ajustes, reconheço que a Virada realiza, ano após ano, um louvável e grandioso trabalho de inclusão social através da cultura e de valorização da diversidade. Tarefa que, aliás, é obrigação dos órgãos públicos. Ela é, sim, um evento representativo do amplo leque cultural do Brasil e de Sampa. Para 2017, qualquer que seja o prefeito eleito, sua missão é preservar, aperfeiçoar e ampliar a Virada. Salve ela!
Pra concordar comigo, creio que basta apenas assistir a algum desses vídeos curtos que deixo aqui. São fragmentos dos muitos momentos legais da festa, mostrando a integração feliz entre artistas e público. Se você perdeu ou quer rever, curta aí essa nossa virada virtual:
Inauguro esta seção para abrir espaço aos muitos ótimos poetas que ouço por aí, pelos bares e saraus do movimento cultural. Ou os que conheço dos vários livros comprados, doados, roubados, recebidos, aparecidos (livro é um bicho vivo…). Alguns desse poetas eu nunca vi pessoalmente, mas acompanho seus versos, deleitado, via facebook. Aqui é jogo rápido, sem maiores comentários ou análises profundas, nem os elogios que cada um deles merece. Segue o poema, uma pequena ficha do autor e o link para que você o conheça melhor. Pra estreia, um baita timaço com Lourença Lou, Marcelo Adifa, Joelma Bittencourt, Cris de Souza e José Couto. Claro que um poema só não basta. Mas curte aí e vai atrás:
LOURENÇA LOU
Coisas de Lou XXXI
Achávamos que era amor. A vontade de um entrava na vontade do outro. Tanto que doía. E nos perdíamos. Sem saber onde nem quando nem por quê. Não buscávamos saber. Éramos lagos separados pelos ressentimentos. Entre um e outro escorriam palavras e olhares e ódios. Dia sim no outro também. E os filhos boiavam no turvo destas águas. Não percebíamos. Achávamos que era amor. Apesar do amante. Apesar da amante. Apesar do secreto de cada um. E jogávamos as soluções para o dia seguinte. Sem investimentos. Como se amanhãs fossem feitos de milagres. Nenhum dos dois cedia. Achávamos que não perdíamos. Os filhos perdiam. E se perdiam. Atavam e desatavam seus laços. E seguíamos assim. Cada um passageiro de si. E todos nos cobrindo de nós.
sobrevivente
escrevia
para me conhecer
:era passageira de mim
hoje
sou passagem
escrevo
para dar vida
aos silêncios que engoli.
Lourença Lou é de Belo Horizonte, formada em Letras. Acaba de lançar Equilibrista, livro que pode ser adquirido na loja virtual da editora Penalux. A renda é revertida para o Projeto Mano Down.
MARCELO ADIFA
Quando estiver preparado
Exila-se longe do corpo
a alma que busca consolo
fugindo das dores, saltando
por sobre o abismo de cores
que o devolvem ao passado
Exila-se, não somente da cidade
e do povo que o fizeram homem
mas das sombras que o perseguem
e assaltam sua memória,
ferindo-o mais que a própria morte
Exila-se
e quando estiver pronto
voltará a vestir suas roupas
será chamado pelo nome
com que foi registrado,
morará entre os seus
novamente
terá voz, será corpo
que se move à sua vontade
Marcelo Adifa é de Sorocaba. Este poema faz parte do livro Exílio, lançado pela Editora Penalux em janeiro de 2015. Poeta e romancista, também é letrista e músico.
JOELMA BITTENCOURT
Inutensílio
Poema
não é problema
poema no mundo
há de fartura
o problema
é a falta da outra coisa
que no poema
se procura.
Joelma Bittencourt é paraense, formada em Letras. Possui textos publicados em redes sociais, blogs coletivos e antologias.
CRIS DE SOUZA
Pretexto
Basta uma lua
E vira uivo
O verso
Basta um vinho
E vira verso
A uva
Basta um verso
E vira vasto
O resto
Cris de Souza é de Vila Velha, ES. Nada mais sei dela. Leio regularmente os ótimos poemas que publica no Facebook. E recomendo.
JOSÉ COUTO
Autorretrato
Comecei a
desenxergar-me.
Face ao espelho
Vislumbro o tempo
já desfocado
de mim.
Um profundo assombro
sutis desertos
águas turvas
o desejo e o perfil de ser.
Amalgamam-se na imagem
que não se reflete.
Ampliam-se os horizontes,
os sentimentos.
Quase translúcido
toco com as pontas dos dedos
o poema.
E, como um milagre,
a linguagem começa a multiplicar-se.
José Couto é professor. Publicou A Impermanência Da Escrita, pela Editora Alcance, além de participar de antologias de poesias, crônicas e contos. Escreve sobre poesia no jornal O Alvoradense.






