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Retratos e relatos do cotidiano

Por que foi tão fácil amar Bolaños?

e tão difícil aceitar sua morte?

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Por Ruth Manus
Atualização:

Gigantesca a comoção brasileira nesses dias posteriores à morte de Bolaños.

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E menos do que isso seria injusto. Chaves e Chapolin são praticamente uma unanimidade: crianças, jovens e pessoas nada jovens; intelectuais ou não; de esquerda ou de direita; Dilma ou Aécio... A obra de Roberto Bolaños transcende as diferenças.

Mas o que havia de tão diferente neste homem? O que fez com que nos envolvêssemos tanto, não só com suas histórias, mas com ele mesmo? O que fez com que esse homem parecesse, de certa forma, alguém da nossa família? Sendo, para muitos, mais querido do que uma boa meia dúzia de parentes? Por que sentimos uma genuína tristeza com sua partida?

Bolaños era um gênio. Mas gênios há outros. Chespirito, por sinal, é um diminutivo espanhol de Shakespeare. Exagero? Não sei. O que sei é que a grande diferença era que o mexicano era um gênio absolutamente humano. E como bom humano, criou personagens insuperavelmente humanos. Cheios de falhas, crises e defeitos, como todos nós.

Na década de 70, quando choviam seriados norte americanos com famílias perfeitas estilo comercial de margarina, Bolaños surgiu com suas famílias fragmentadas e verdadeiras, tão mais próximas da realidade de quase todos nós. Um menino sem pai, uma menina sem mãe e aquele menino que não tinha ninguém, mas que acabamos amando como se fosse nosso. Todos com a vida bagunçada, todos inegavelmente felizes.

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Quando super heróis bonitões e destemidos, no melhor estilo Superman, começavam a invadir as casas brasileiras, com capas impecáveis e peitoral musculoso, Bolaños trouxe Chapolin, todo errado, todo sem sentido, todo fácil de amar.

Bolaños conseguiu despertar nosso melhor lado. O lado que ficou verdadeiramente triste pelo menino pobre que não podia ir para Acapulco. Que quis dividir com ele um sanduiche de presunto. Que entendeu que não poder pagar o aluguel não torna alguém má pessoa. E que cobrar o aluguel também não.

E foi ele quem nos deu nossa única chance de acreditar que poderíamos ser heróis. Se o Chapolin, cheio de medos e inseguranças, com uma marreta de plástico e um short amarelo por cima da calça, pedindo calma quando ele mesmo estava em pânico, conseguia ser incrível, por que nós não poderíamos ser?

Bolaños permitiu que pudéssemos ser fãs incondicionais de figuras que não eram perfeitas. Roupas sujas, bobe na cabeça e avental na rua, camiseta preta desbotada, sardas e óculos, cara de bobo, bola quadrada. Ele permitiu que, pela primeira vez, fôssemos fãs de figuras como nós. Fãs daquilo que nós mesmos poderíamos ser.

Ele permitiu que nos apaixonássemos por uma vila pobre mexicana. E que boa parte da América Latina passasse a ter adoração por ela mesma, sem inspirações norte americanas ou europeias. E isso foi mais do que um sucesso, foi um passo de libertação.

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E sabemos que é muito fácil conseguir audiência com conteúdo grosseiro. É fácil fazer rir ridicularizando os outros. É fácil emocionar fazendo drama. Difícil é conseguir tudo isso com delicadeza. Difícil é conseguir audiência com ingenuidade. Fazer rir com bobagens.Emocionar com leveza.

Bolaños precisou de muito pouco para provocar nosso amor. E ele não precisava de muito para ser um gigante. Talvez até por isso o super poder do Chapolin fosse a capacidade de ficar pequeno. Sintomático.

O perdemos numa sexta-feira. Não poderia haver dia mais propício. Eu estava no bar quando a TV de imagem ruim deu a notícia. Suspirei, fiquei um pouco em silêncio.

"Ceará, traz mais uma."

Enquanto a cerveja caía no copo, pensei em ficar triste. Mas não seria justo. Nem justo, nem coerente.

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Pensei naquele homem que estampou uma infinidade de sorrisos no meu rosto ao longo de tantos anos. Fechei os olhos, agradeci e tomei aquele copo de cerveja desejando, como nunca, que fosse um suco de limão que parecesse tamarindo e tivesse gosto de groselha.

Boa noite, gênio. Obrigada por tudo, há tanto tempo. Qualquer hora a gente se encontra.

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