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Retratos e relatos do cotidiano

O profissional laranja podre

Semana passada falei de limões, hoje falo sobre laranjas. Tô numa onda cítrica.

Por Ruth Manus
Atualização:

Quando li a reportagem sobre o juiz que estava utilizando o Porsche apreendido do Eike Batista me bateu uma baita tristeza. Parte pelo sentimento que invade qualquer ser humano nessas situações, de que o mundo está de cabeça para baixo, parte porque sou uma profissional da área do direito e sei o quanto essas notícias acabam por denegrir a imagem de juízes, advogados, promotores, defensores...

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Não sei detalhes da história, não sei se há justificativa plausível, nem me cabe julgar quem quer que seja. Adoraria pensar que foi tudo um grande engano, mas não sei se meu otimismo vai tão longe.

Mas o que é interessante analisar é a capacidade que um único episódio tem de manchar a imagem de milhares de profissionais. Isso acontece em todas as áreas: juízes, advogados, médicos, jornalistas, policiais militares, empregadas domésticas, empresários, professores, escritores, engenheiros, sociólogos, taxistas, políticos, manicures, chefs de cozinha.

Há muita, muita gente trabalhando sério. Juízes que levam processos para casa no fim de semana, que trabalham com todo zelo possível nesse nosso sistema de contingente processual insano (nem falo na honestidade porque isso não é mérito- é o mínimo). Advogados que não estão ricos (é a imensa maioria),que quase não dormem e nunca param de estudar. Jornalistas responsáveis. Taxistas que não dão voltas a mais e colocam perfuminho no carro. Políticos que trabalham por uma causa. Policiais militares humanos. Empresários que querem contribuir para o mundo e não apenas encher o bolso.

Sim, os honestos, os sérios, os comprometidos são a maioria. Nós (eu e pelo menos 90% das pessoas que vão ler esse texto) somos essa maioria. Independentemente da profissão, acordamos cedo, fazemos nosso melhor, continuamos insatisfeitos, achamos que podíamos ter feito mais e melhor, mas temos uma cabeça leve para colocar no travesseiro.

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Mas aí chega o profissional laranja podre. O que receita remédios sem cuidado, o que se apropria sutilmente do que não é seu, o que semeia discórdia no ambiente de trabalho, o que ri do aluno que tem dificuldade de aprendizado, o que superfatura a obra, o que levanta a guia e some do mapa, o que se julga acima do bem e do mal por conta dos seus títulos e publicações, o que não paga os direitos trabalhistas dos empregados.

Ele chega e faz o estrago. Irresponsabilidade, má-fé, ganância, sei lá eu. E o grande problema é que essa conduta vai muito além da sua pessoa, atingindo a credibilidade de colegas sérios, gente esforçada, gente boa.

Eu, que vivo diariamente a dicotomia de uma profissão endeusada e outra demonizada (professora e advogada), tenho a consciência de que as laranjas saudáveis e doces são a esmagadora maioria. Mas que essa meia dúzia de sacanas e sua podridão estão em todas as áreas, inclusive onde menos se espera.

O lance é que nós já temos idade suficiente para deixar o maniqueísmo no passado. Achar que todos os veterinários são bonzinhos e todos os guardas de trânsito são malvados é uma ideia mais do que infantil. É, no sentido literal da palavra, preconceituosa.

É preciso perceber que quando falamos de trabalho, a laranja podre nem sempre contamina as demais. E é preciso que tenhamos a maturidade e a clareza de não julgar o todo pela parte, nem o conteúdo pelo frasco. É preciso ter a decência de não cair no senso comum, nem blábláblá da mesa de boteco. Temos que ser mais do que isso.

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