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Retratos e relatos do cotidiano

A mulher, o primeiro encontro e a lingerie

Regras. Padrões. Ordens.

Por Ruth Manus
Atualização:

 

Essa semana estava lendo uma notícia que narrava que a apresentadora Ana Hickmann, em uma entrevista sobre sua linha de lingerie, foi questionada sobre qual a roupa íntima que "a mulher" deve usar no primeiro encontro. Já começo frisando meu incômodo com essa ideia de "a mulher", como se fôssemos todas uma coisa só, sujeitas a uma fórmula ideal de comportamento padrão.

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Ao responder, a apresentadora afirmou que no primeiro encontro a mulher não deve mostrar a lingerie, porque ela deve ser difícil, para fazer valer a pena. Faço questão de dizer que não tenho nenhuma antipatia pela Ana Hickmann e que fiquei, inclusive, muito solidária a ela por conta da violência que ela sofreu há alguns meses, por conta de um "fã" maluco. Vale frisar, como bem escreveu minha colega Nana Soares, que a apresentadora sofreu violência de gênero naquele episódio.

O discurso de Ana Hickmann sobre o comportamento ideal das mulheres não é exclusividade dela. Nem chego a culpá-la pela frase, a meu ver, tão infeliz. Porque ela apenas repetiu o inconsciente coletivo machista que bate diariamente à nossa porta. Todos nós já escorregamos alguma vez nessa casca de banana.

A ideia de que a mulher não deve mostrar a lingerie, transar, beijar ou dar piruetas no primeiro encontro é fruto daquela (nada) boa e velha premissa de que a mulher "tem que se dar o respeito". Essa ideia, transposta para outros assuntos, é a mesma que diz que a mulher que saiu de roupa curta é responsável pelo assédio sofrido na rua. É um raciocínio que pode não parecer tão perigoso num primeiro momento, mas que legitima todo o sistema machista de violência de gênero.

O feminismo, como eu nunca cansarei de dizer, não é o oposto do machismo. É o grito por igualdade. O feminismo não prega que a mulher deve transar no primeiro encontro. Prega que a mulher tem o direito de transar no primeiro encontro, no terceiro encontro, no décimo nono encontro, de casar virgem ou de morrer sem querer transar, sem que nenhuma dessas escolhas torne-a melhor ou pior por isso. O feminismo quer, apenas e tão somente, mulheres livres e homens que respeitem (e gostem) dessa liberdade.

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Uma menina de uns 18 anos outro dia me perguntou se era melhor "bancar a difícil" com os meninos. Disse a ela "querida, se você tiver que "bancar" qualquer coisa para um cara, é sinal de que já está tudo errado. Um cara que te julgue porque você quis transar no primeiro encontro, com certeza não é um cara que vai te fazer feliz. Assim como um cara que te pressione para transar logo também não te trará nada de bom. Um cara legal sabe que você é muito mais do que uma contagem regressiva de sexo.".

E está na hora de pararmos de tratar a sexualidade de um casal na dinâmica de predador e presa. Ambos são livres, com seus desejos, seus hormônios, seus medos, suas crenças e suas inseguranças. Se um não quer, dois não beijam. Se um não quer, dois não transam. Se um não quer, dois respeitam. E esse "um" pode ser a mulher ou o homem (ou a mulher e a mulher, ou o homem e o homem).

A Ana Hickmann não está errada por agir assim. Desde que ela trate esse comportamento como o escolhido por ela. Que funcionou para ela. No relacionamento dela. E não como o padrão a ser seguido "pela mulher"- hipotética, singular e invisível- que é diariamente bombardeada por ordens, padrões e julgamentos que não deixam nem mesmo a sua roupa íntima ilesa.

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