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Crônicas do cotidiano

Um dia só sobre Campos

Meu relato sobre a triste cobertura da morte do ex-governador de Pernambuco

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Por Ricardo Chapola
Atualização:
 Foto: Estadão

Foto: JF Diorio/Estadão

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Ontem, antes mesmo de todos nós da redação sabermos da tragédia, minha chefe ligou para que eu chegasse mais cedo no jornal. Disse que queria que eu me dedicasse exclusivamente a uma matéria proposta por mim no dia anterior. Uma triste coincidência.

Se minha chefe tivesse deixado para me avisar um pouco depois, eu teria visto o governador Geraldo Alckmin sair às pressas da abertura de uma feira no Anhembi, na zona norte de São Paulo, sem entender direito o porquê. Depois, provavelmente receberia uma ligação de alguém da redação para avisar que uma avião tinha caído em Santos, justo como e para onde iria o candidato do PSB à Presidência, Eduardo Campos.

Mas como estava na redação, o telefone serviu para que eu soubesse que Alckmin tinha corrido para Santos tão logo soube da queda do avião (ou helicóptero?) no litoral. Era um avião e o avião poderia mesmo ser de Campos, diziam os boatos que circulavam pela vala da internet. Boatos que poderiam só ser boatos mesmo, mas que foram suficientes para obrigar um dos diretores executivos me pedir para largar tudo o que estava fazendo e tentasse descobrir onde estava Campos. Pedro Valadares, um dos meus únicos interlocutores da campanha - não atendia. O pessoal de Pernambuco tampouco.

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As ligações frustradas me afundaram na angústia. Cadê esse homem, meu Deus?

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"Soube que ele já está em Santos", disse uma assessora de Campos, que finalmente me atendeu. Ela estava no local onde cumpriria agenda se não estivesse no avião que caiu.

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A triste confirmação veio pelos números da aeronave que caiu: era o mesmo do jatinho usado pelo ex-governador. Com as pernas bambas, a boca seca, peguei a bolsa e corri rumo ao litoral.

Era inacreditável. Não fazia muito, eu o via na minha frente, na TV, tentando sair das saias justas que o deixavam as perguntas feitas por William Bonner e Patrícia Poeta, no Jornal Nacional. Os olhos eram os azuis de sempre. O cabelo, todo lambido para trás como sempre. O sorriso era sereno, manso, tranquilo, o mesmo que vi quando estive com ele nas poucas agendas que fiz de sua campanha.

Santos vivia um dia típico de velório, todo cinza e chuvoso. A sensação era que alguém próximo a todos tinha mesmo morrido. Pelo menos foi a conclusão que tirei após ter vindo de São Paulo a Santos em silêncio sepulcral. Tanto eu, quanto o motorista, ou quanto o outro colega que veio junto no banco de trás, evitávamos falar. Deixávamos isso por conta de Sardenberg, que - não sei como - conseguia noticiar tudo sem parecer abalado. Jornalismo imparcial.

Foi o que não consegui fazer quando pisei na Prefeitura de Santos, eleita o QG da operação de buscas realizada na cidade. Sairiam dali todas as informações oficiais sobre o acidente, sobre a morte de Campos e de membros de sua campanha. A sala reservada para a imprensa estava apinhada de gente. Uns 100 repórteres, entre câmeras e jornalistas, se espremiam na busca do melhor ângulo, de um espaço perto da caixa de som. Alguns ali amigos meus, que cobriam o dia a dia do ex-governador de Pernambuco. Todos abatidos, cara de choro.

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Chorei também. Não me contive quando Marina Silva, então candidata a vice na chapa encabeçada por Campos, fez um pronunciamento curto, com a voz embargada sobre o ocorrido. Magra por natureza, bochechas fundas, as maças sobressalentes, Marina demonstrava-se mais frágil do que nunca. A voz ainda mais baixa. Os olhos encharcados. O coração visivelmente partido.

Houve quem tentasse fazer perguntas depois de um momento como aquele. Mas um dos assessores de Marina disse que não era hora. O repórter insistiu, mas todos viraram as costas e foram embora. O jornalista não foi identificado.

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Quis aqui fazer só um breve relato do que aconteceu ontem. Em minha breve experiência como jornalista - de apenas 4 anos, é só a minha terceira campanha eleitoral - não tenho memórias de um momento tão triste. Nunca havia chorado em coletivas. Nunca havia dado o meu ombro a uma amiga que, em pleno fechamento de edição, parou de escrever sua matéria porque precisava chorar.

Foi um dia em que a tristeza não teve partido.

 

 

 

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