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Crônicas do cotidiano

Supermercado

Um carrinho de compras pode dar margem a mais de uma interpretação

Por Ricardo Chapola
Atualização:

Esta é Inês. Não sei se é realmente o nome da moça em questão, mas decidi que fosse depois de ver o que levava no carrinho de supermercado: um pacote de macarrão, molho de tomate, duas garrafas de vinho. Romântica que é, ela fará uma bela macarronada de mimo para o marido que chegará cansado do trabalho. Inês é casada. Notei a aliança no dedo quando nos cruzamos na gôndola de temperos, enquanto ela se escarafunchava nas especiarias e eu passava meu tempo inventando isso tudo.

 

 

 Foto: Estadão

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Ilustração: Felipe Blanco

Detesto supermercados. Por isso, em vez de comprar, bisbilhoto o carrinho alheio - maneira metafórica de dizerque xereto a vida dos outros. Não que tudo o que tenha dito aqui seja plena verdade, mas grande parte asseguro a precisão, escondida entre um saquinho de sabão em pó e uma garrafa de refrigerante. Carrinhos de supermercado podem dizer muita coisa a nosso respeito.

 

Veja o do Carlos, por exemplo. Cerveja, mais cerveja, uns pacotes de amendoim, um pote de sorvete, uns cabides, sete caixas de lasanha pré-cozida. Carlos tem a mesma idade que Inês, embora, ao contrário dela, viva só. Por opção, viu? Até tentou embalar um casamento, mas nunca fez tanta força para vencer seus impulsos boêmios. Carlos então levou um pé na bunda e, desde então, nunca mais deixou de apresentar um carrinho de compras com outra proposta que não seja afogar as mágoas na cerveja e no sorvete que devora de madrugada, enquanto assiste a filmes pornôs na TV. Não foi à toa que Carlos engordou tanto, travando brigas diárias para entrar nas próprias calças sociais que usa para trabalhar num banco da zona sul.

 

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Ah, Carlos, se você fosse o mesmo de 20 anos atrás, bonitão, sempre na estica, barba bem aparada, abalaria com certeza os corações de mulheres iguais a Aninha. Olha ela aí, passando ao seu lado na seção de iogurtes. Aninha já passou dos 40, mas costuma ganhar uns 30 da opinião pública masculina. O segredo, segundo ela, é a ginástica que faz todos os dias combinada a uma ida ao mercado às quartas, quando costuma fazer com que suas compras não superem as 1500 calorias prescritas em receita pela nutricionista. Por isso, o iogurte de mel, por isso frutas de todos os tipos, tamanhos e cores. Por isso, o pão integral, o queijo branco, a maior quantidade possível de saladas. Aninha passou por Carlos, olhando para o carrinho de gordura trans que ele empurrava rumo ao caixa e à morte. Sentiu pena, mas não atração. E seguiu viagem.

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Às vezes, nem tudo é aquilo que parece. Pensei nisso logo depois de fazer uns 10 julgamentos partindo do princípio de que as pessoas são aquilo que compram. Se não são, pelo menos estão. A televisão de Claudio pifou. Isso explica o fato de ele ter feito uma TV de LED, 42 polegadas, caber no carrinho. Dona Olga achou por bem dar uma enfeitada na casa para receber os netos do interior. Pois então comprou um vaso de flores bem bonito para a mesa de centro do seu apartamento.

 

E, quanto a mim, preciso parar com essa mania. Porque se ela não for só minha, hora ou outra podemos ser eu e meu carrinho mal interpretados pela malícia humana. Espero que isso não tenha acontecido hoje, justo quando fui ao mercado só para comprar papel higiênico que acabou lá em casa.

 

Vejam bem, as coisas nem sempre são aquilo que parecem...

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