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Crônicas do cotidiano

Soneca

A cama é muito mais convidativa que a vida

Por Ricardo Chapola
Atualização:

Se o juízo final dependesse de uma canetada minha, eu certamente já teria absolvido os enrolões. Quem são? Fazendo vista grossa, eu, talvez você, muito provavelmente boa parte da humanidade hiperafeita ao sono. Num pente fino, creio que nem o papa escaparia.

Os enrolões são, como o próprio nome já diz, aqueles que enrolam, ou melhor, se enrolam nas próprias cobertas à medida que o despertador os chama para a vida. Chama não, grita, tendo em vista a quantidade de vezes que é obrigada a repetir o mesmo vocativo uma, duas, três, zilhões de vezes, tanto mais alto quanto maior for a nossa teimosia.

 

 Foto: Estadão

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Ilustração: Felipe Blanco

Aos mais desapegados à cama, ao travesseiro, aos lençóis, a quem ache que a vida é algo mais urgente do que os 15 minutinhos a mais que o sono pode durar, levantar-se jamais foi um desafio. Sempre foi, na prática, um ato reflexo em dias frios, ou quentes, segundas, sextas, ou domingos. Para os enrolões, ao contrário, acordar é um processo lento e gradual, cuja duração pode variar uma manhã inteira, invadir uma tarde se a pessoa em questã0 não desembarcar do carrossel da soneca, vício dessa espécie. Após o primeiro toque do despertador, de 10 em 10 minutinhos o enrolão é capaz de esticar seu sono, à deriva do mundo que acontece pra além das fronteiras do quarto. Quem sucumbe à tentação sonecóide uma vez, esqueça: é caminho sem volta.

Falo com conhecimento de causa.

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Já resignado, atolei-me na minha fraqueza de travesseiros e edredons não faz muito tempo. Era capaz de saltar da cama em lampejos proféticos, cinco minutos antes do horário programado para o celular tocar. A habilidade foi para a cucuia definitivamente, bastando apenas uma vez a soneca. Pronto: hoje sou um enrolão.

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Se o auto reflexo de alguns é levantar de bate-pronto, o de outros é o de reprogramar o despertador para o modo soneca, num procedimento tão complexo quanto acordar. Uma nova habilidade adquirida que revela o homem perdendo o controle sobre si mesmo em nome do prazer de dormir um pouquinho mais. Assim vai caminhando a humanidade - ou parte dela - rumo a reuniões com o chefe, ou fazer compras no supermercado sempre 20 minutos mais tarde do planejado pois o sono resolveu se espraiar pelas agendas.

Mas a soneca não é eterna. Em algum momento o ser humano há de vencer a preguiça avassaladora que amarra os ossos, atrofia momentaneamente os músculos. A batalha é dura, uma verdadeira luta de UFC entre você e a cama que, em qualquer cochilo, nos finaliza, sem dó, nem piedade. Talvez, pensando bem, não fosse de todo ruim assim, perder. Perderia sempre se meu chefe deixasse, se as compras pulassem no meu carrinho, se o dinheiro brotasse da terra. Perder com a dignidade garantida pelo aconchego do edredon e do colchão macio. Sonhar é bom. Dormir, então, nem se fala. Uma pena ainda existir quem ainda resista tanto a uma soneca. Uma que seja, bem pequenininha.

 

 

 

 

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