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Crônicas do cotidiano

O carro não te esconde

E todo mundo vê

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Por Ricardo Chapola
Atualização:
Ilustração: Felipe Blanco Foto: Estadão

Alguma coisa acontece com o cidadão, que basta entrar em algum carro para limpar o salão. Essa seria a versão original da música de Caetano Veloso, em um momento de profunda indignação com a humanidade. Passeando pelo cruzamento da Ipiranga com a São João, parou repentinamente escandalizado com a cena: um rapaz estacionado com sua caranga do outro lado da rua, mandando brasa na faxina de suas fossas nasais. Fez a letra como uma resposta política à ditadura dos maus modos. Foi censurado, sendo obrigado a transformar catota em amor.

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É uma coisa que pegou muito forte na cultura urbana. Por algum motivo, um monte de gente passou a carregar consigo a certeza de que está invisível aos olhos do mundo dentro de um automóvel. Ficou pior com o advento do insulfilm. O carro agora é a nova capa da invisibilidade. Harry Potter não fez bem ao povo.

Todo mundo tem um segredo. Lembre-se dele se estiver num carro. O homem desmascarado por Caetano em meados dos anos 60 não se lembrou. Foi pego em flagrante, com o dedo em riste, cavocando ferozmente o nariz como se não houvesse amanhã. Parecia uma terapia, pelo tempo que se dedicou à atividade sob o olhar atendo do compositor baiano que, de longe, contemplava a poesia do momento. O rapaz capturava os dejetos, juntando-os em pequenas bolinhas lançadas para longe em sucessivos petelecos.

Tem quem prefira diferente. Jogar as bolotas fora seria desperdício. Tornam-se então uma espécie de petisco predileto de muita gente que confia na mágica de um carro. Não existe mágica. Existe BBB. As pessoas deveriam assistir: "estamos de olho".

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Você pode jurar de pé junto que não fala sozinho. Um hora as máscaras caem. Um dia, à espera do semáforo abrir, as janelas do carro revelarão ao mundo monólogos inéditos, recheados de drama, suspense, traições, amor. Ou apenas mais um péssimo gosto musical, muitas vezes acompanhado com dancinhas e uma dublagem melhor que as dos filmes da Sessão da Tarde.

Se beber, não dirija - nem entre em um carro. É melhor pra todo mundo. Pode confiar. Vai ver seja por isso também que avisam tanto por aí.

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