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Males crônicos - crônicas sobre neuroses contemporâneas

Opinião|Se eu fosse presidente do Brasil...

Já que qualquer um pode ser presidente (a qualquer momento), apresento minha plataforma.

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Atualização:
 Foto: Estadão

arte: loro verz

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»Se é verdade que caminhamos para eleições diretas ou indiretas, quero desde já apresentar minha candidatura. Não, não é sério, mas poderia ser. Aliás, a fronteira das coisas "muitos sérias" das completamente disparatadas frequentemente é mais tênue do que se imagina. A rigor, é tudo absurdo: entre o sábio e o tolo a diferença é apenas de tempo. Imaginem o que dirão de nós os humanos do século 25, o que dirão de nossos medos e certezas.

Foi nesse espírito meio sóbrio meio sonso que me ocorreu, entre uma ensaboada e outra, entre faróis vermelhos e provas por corrigir, uma plataforma radical de governo.

Primeiramente proibir a circulação de SUVs, utilitários esportivos, caminhonetes, carrões imensos e beberrões em geral nas ruas de todas as capitais do país. Sim, a medida não me faria popular em Moema, Jardins e adjacências paulistanas, mas como andaríamos melhor! Como respiraríamos melhor! A teoria de sustentação é simples, empírica: em cada carro imenso apenas um ocupante, e, em geral, de pouca habilidade motora. (Ademais, nunca, jamais, vi 4x4 atolado nas ruas de São Paulo, ou picape com vacas ou porcos na caçamba em plena Avenida Paulista.)

Repare: em geral o motorista do SUV urbano dirige mal - muito mal. Ou melhor, não é que dirija realmente mal. É que, a bordo de uma jamanta de duas toneladas,  dirige alegre e despreocupadamente - na dúvida, passa por cima do infeliz ao lado. E os incomodados que se mudem. Agora, coloque-o dentro de um carrinho 1.0 e verá como é cauteloso. O chassi é a medida de todas as coisas.

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Os carrões gigantes incentivam a dirigir mal, a poluir, a ocupar muito espaço. Aliás, sendo ainda mais intransigente, talvez eu proibisse, como presidente-supremo-ditador do Brasil, todos os veículos a combustão. Todos. Só poderiam circular os movidos a eletricidade - e pernas.

Em seguida, atacaria os supersalários (que por sua vez levam a supercarros inúteis). Não vejo, sinceramente, por que um ser humano precisa ganhar, sozinho, mais de cinquenta mil reais por mês. Por decreto, limitaria o vencimentos mensais de quem quer que seja a isso: R$ 50 mil.Quem sabe assim deixaríamos de frequentar o ranking dos países em que há maior diferença entre os vencimentos pagos no topo e os pagos na base da cadeia de trabalho. Por que o presidente da empresa deve ganhar 100 vezes mais que a faxineira? Ah, por que ele estudou muito mais, alguém dirá. OK, não discuto méritos, apenas grandezas. Ganhar 20 vezes o salário dela já não o remuneraria por ter se dedicado mais ao trabalho, se fosse o caso?

Ouço falar de gente que ganha assim um apartamento de três quartos por mês: jogadores de futebol, técnicos, cantores, executivos, advogados. De quantos apartamentos/carros/barcos/aviões/quilos de trufas negras alguém precisa, ao longo da vida? Convenhamos. Há algo de ridículo num salário de quinhentos, seiscentos mil mensais. A não ser que você esteja no Zimbábue.

Sempre ouvi que, à medida que crescemos, vamos nos anestesiando contra as injustiças da vida. Os mendigos já não chocam, as articulações escusas, o assassinato de reputações não surpreendem. Comigo, oras, se deu bem o contrário! Quanto mais velho, mais penso: pra quê? Acho que estou me tornando minimalista. É isso. Eu seria o primeiro presidente minimalista da história do Brasil.«

 

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Opinião por Renato Essenfelder

Escritor e professor universitário, com um pé no Brasil e outro em Portugal. Doutor em Ciências da Comunicação pela USP e autor de Febre (2013), As Moiras (2014) e Ninguém Mais Diz Adeus (2020). Docente e pesquisador nas áreas de storytelling e escrita criativa, escreve crônicas de cultura e comportamento no Estadão desde 2013.

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