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Males crônicos - crônicas sobre neuroses contemporâneas

Opinião|Os introvertidos não somos todos iguais

Sempre fui o tipo introvertido, mas ao mesmo tempo gosto de sair e de fazer novos amigos.

Foto do author  Renato Essenfelder
Atualização:

»Um amigo muito popular - e querido - faz anos. Convida para a festa e, claro, quero ir. Ainda mais porque neste ano, ele garante, vai convidar poucos e bons. Só a nata.

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Então me envia um convite pelo Facebook. O quê! Mais de 350 convidados - choque para mim, que não saberia listar nem 20 pessoas para o meu aniversário. Cem já confirmaram. Fico ansioso. Repenso. Será?

*

Desculpe, mas sou introvertido. Todo mundo sabe. Introversão, essa palavra esquisita, foi inevitavelmente associada a mim durante toda a infância e adolescência. O menino é introvertido. Eu sempre achei a expressão meio peculiar, e na minha cabeça fatiava o diagnóstico em dois: intro e vertido. Imaginava que vertia algo de mim para mim mesmo, para o meu interior, como uma cascata desaguando no topo de si própria, ou um círculo dobrado sobre si, feito uma pizza amanhecida. Uma pizza introvertida.

Sempre tive esse jeitão mezzo introvertido - a gente é o que é, só que alguns jeitos o tempo lapida e a malandragem aprende a disfarçar. Apesar disso, para espanto até meu próprio, também sempre gostei de encontrar e de fazer amigos, de conversar, de conhecer gente (desde que em grupos de tamanho manejável). E depois de adulto me tornei professor, carreira pouco apelativa a quem de si não sai.

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Tudo isso parecia, pra mim, meio contraditório. Então em um dia desses, pesquisando o assunto, descobri que introvertido todo mundo é - e também que existem diferentes meios de sê-lo.

Um psicólogo norte-americano defende que não existe "o introvertido", e sim quatro diferentes tipos de introversão que se manifestam em todos nós, mas em diferentes graus. A gente pode ser, segundo ele, introvertido social, reflexivo, ansioso e/ou contido.

O tipo social é exatamente aquilo que se imagina de um introvertido. Ou seja: o camarada que não gosta de frequentar grandes grupos, prefere ficar sozinho ou com poucas pessoas ao redor. Não é um tímido, pois não sofre por isso. Simplesmente prefere ficar na sua. "Vai lá que eu não vou."

O reflexivo não tem problemas em frequentar eventos sociais ou em interagir com as pessoas, mas, por outro lado, vive se perdendo em um mundo de fantasia próprio. Pode evitar sair em grupo ou prefere ficar calado simplesmente porque o mundo que cria na sua imaginação é tão fantástico que dá preguiça de sair dele para encarar as coisas lá fora. "OK, o bar é legal, mas eu estou imaginando como seria um mundo governado por pugs inteligentes."

O introvertido ansioso se sente realmente mal na presença de outras pessoas. Ele é muito consciente de si mesmo, muito atento ao que considera seus defeitos, e por isso se sente deslocado. Sempre. "Meu Deus, e se descobrirem que meu dedo do pé é torto? E esta minha voz de gaita desafinada? Melhor ficar quieto." Também é o tipo que traça mil cenários na cabeça imaginando tudo o que poderia dar errado se ousasse interagir com alguém.

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Já o tipo "contido" é, digamos, meio lento. Lento. Bem lento: tem um ritmo próprio, então demora para tomar decisões, para agir, falar. Reflete antes de tomar qualquer iniciativa. Mas pensa tanto que às vezes a ação já perdeu o sentido. "Eureka! Já sei a resposta! Pessoal? Pessoal? Pra onde foi todo mundo?"

Pensando bem, sou mais o tipo reflexivo, embora tenha alguma preguiça de lugares lotados.

Aliás, preciso pedir desculpas ao amigo que me convidou para o seu aniversário. Eu queria ir, mas veja bem. Trezentos e cinquenta convidados.

Além do mais, pense comigo: se os pugs governassem a Terra...

*

PS.: Coloquei na minha página do Face um vídeo resumindo essa história de introversões.

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Opinião por Renato Essenfelder

Escritor e professor universitário, com um pé no Brasil e outro em Portugal. Doutor em Ciências da Comunicação pela USP e autor de Febre (2013), As Moiras (2014) e Ninguém Mais Diz Adeus (2020). Docente e pesquisador nas áreas de storytelling e escrita criativa, escreve crônicas de cultura e comportamento no Estadão desde 2013.

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