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Males crônicos - crônicas sobre neuroses contemporâneas

Opinião|Odeio shopping centers

Somos zumbis em busca de mercadorias?

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Foto do author  Renato Essenfelder
Atualização:
 Foto: Estadão

arte: loro verz

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»Eu odeio shopping centers. Com a proximidade do Natal, então, chego a ter alergia. Detesto shopping centers.

Apesar disso, dificilmente passo uma semana sem pisar em um. É o conforto do cinema, é a gentileza de uma companhia, é o tédio, é a chuva, é a lama, é a lama.

Ou seja, pelas mesmas razões de todo mundo (exceto, talvez, o impulso de consumista, que me falta), eis que inevitavelmente me vejo perambulando pelos corredores dedetizados, ultrailuminados e devidamente refrigerados em que todos os caminhos levam às mesmas vitrines.

Às vezes me afasto um pouco, sedento por um canto de sombra, e apenas observo o movimento. As pessoas vêm e vão com ares de falsa pressa para nada: gastar um pouco ali, gastar mais um pouco lá. Comer em praças barulhentas, suspirar diante de manequins indiferentes, aliviar-se em banheiros tumultuados e começar tudo de novo, desde a entrada. Carpe diem, abra a carteira, sorria.

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O shopping é uma mistura de dia da marmota com labirinto encantado - mas sem fauno nem minotauro (que pena). No centro, um boneco de cera. Roda em que os hamsters giram, sob luzes artificiais, sem se darem conta do fim do dia - e o dia sempre passa muito rápido para quem se perde entrelojas.

É a coisa mais estranha: um shopping center. As pessoas se cruzam, se trombam, o dia inteiro cambaleando em círculos - no entanto, seguem se estranhando, como se tudo ali fosse invisível, menos as etiquetas de preço. Era de se esperar uma certa familiaridade, mas : as gentes andam como se vampiros de almas as tivessem esvaziado de toda substância.

O shopping tem sua própria lógica, sua própria etiqueta, seu tempo. Todo fim de semana o enredo se repete. Do café, assisto (e adivinho) o desenlace. Os zumbis perambulando, tão lentos que não metem medo. Não querem cérebros, mas mercadorias. E, com as mercadorias cintilando, ganham vida.

Até que as perdem, quebram , enjoam, e o ciclo se reinicia.«

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Opinião por Renato Essenfelder

Escritor e professor universitário, com um pé no Brasil e outro em Portugal. Doutor em Ciências da Comunicação pela USP e autor de Febre (2013), As Moiras (2014) e Ninguém Mais Diz Adeus (2020). Docente e pesquisador nas áreas de storytelling e escrita criativa, escreve crônicas de cultura e comportamento no Estadão desde 2013.

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