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Males crônicos - crônicas sobre neuroses contemporâneas

Opinião|O grande vencedor das eleições 2016

Maquiavel venceu as eleições em todo o Brasil – e em São Paulo, João Dória é o próprio príncipe.

Foto do author  Renato Essenfelder
Atualização:

 

 Foto: Estadão

arte: loro verz

»Engana-se quem diz que nas eleições 2016 não há vencedor claro. Engana-se. 

Maquiavel é o grande vencedor. Ganhou de lavada.

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Venceu em todo o Brasil. Em São Paulo, João Dória é o próprio príncipe. O príncipe de Maquiavel.

A maquiagem não deixa enganar. O sorriso reluzente, os ternos bem cortados, a voz empostada não disfarçam: o filósofo está vivo. O filósofo é prefeito.

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Está vivo e está em toda parte, mais presente do que quando caminhava pela bela Itália do século 15 distribuindo conselhos que hoje poderíamos chamar de "politicamente incorretos" - mas tão precisos, tão lúcidos... Maquiavel escreveu uma espécie de "A Vida como Ela É" da política europeia e mundial. E hoje, no Brasil do século 21, ou nos Estados Unidos de Hilary e Trump, confirmamos que o mundo não mudou tanto assim.

É fascinante ler os jornais, acompanhar os debates políticos, navegar pelos portais noticiosos do século 21 com os olhos de Maquiavel. Enxergar suas muitas sombras no verso de tantos discursos, no canto de tantos sorrisos.

Suas lições, repaginadas, estão em toda parte. A mais importante: é fundamental convencer o eleitor de que a política é um instrumento para promover o bem comum, que o interesse do governante é somente este. É por isso que Dória, e Haddad também, insistem em dizer que não são políticos. O primeiro é empresário, o segundo, professor. Dória diz que não precisa de dinheiro nenhum, pois é rico, muito rico! Prometeu doar seus salários de prefeito.

Logo, sua única intenção ao disputar a Prefeitura é poder promover o bem-estar do paulistano.

Após eleito, reiterou, em entrevista: comprometeu-se a não tentar a reeleição. Reforçou que não é político, é gestor.

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Brasil afora, centenas de candidatos repetiram o bordão. Mas, apesar de batido, o discurso não faz o menor sentido. Por que alguém que não é político, que nega a política, parece ter ojeriza à política, quer tanto ser eleito a ponto de sacrificar a vida pessoa, familiar, às vezes investir dinheiro do próprio bolso em campanha? Por quê?

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Porque é mentira.

É claro que é mentira, é claro que eles são, e nós também somos, políticos. E é claro que os superpreparados, supermaquiados e superensaiados candidatos são ainda mais políticos do que eu e você, no sentido de serem profissionais.

Mas Maquiavel ensinou bem: diga sempre que o interesse da política é o bem comum, quando, na verdade, você e eu sabemos qual é a finalidade única do governante: preservar o poder. O bem comum será feito na medida em que facilita a manutenção do poder. Pode ser até um meio, mas nunca um fim. Nesse sentido, o discurso lulista dos milhões de pessoas que deixaram de ser pobres em seu governo acende uma luz maquiavélica: a distribuição de renda é um fim em si ou é um meio de manter o poder, para o príncipe Lula? O que você acha?

Os príncipes, pois, estão em todos os partidos, em todas as partes. Não nos enganemos achando que são privilégio de uma ou outra sigla.

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O maquiavelismo é democrático.

Agora eleito, Dória precisará lidar com outra das duras realidades descritas por Maquiavel. "O que chega ao principado com a ajuda dos grandes se mantém com mais dificuldade do que aquele que ascende ao posto com o apoio do povo, pois se encontra príncipe com muitos ao redor a lhe parecerem seus iguais e, por isso, não pode nem governar nem manobrar como entender", ou seja, a mão que lhe balançou o berço eventualmente cobrará um preço.

O mundo real, sem a maquiagem das palavras, sem o pó de arroz da televisão, é maquiavélico. Maquiavel venceu.«

 

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Opinião por Renato Essenfelder

Escritor e professor universitário, com um pé no Brasil e outro em Portugal. Doutor em Ciências da Comunicação pela USP e autor de Febre (2013), As Moiras (2014) e Ninguém Mais Diz Adeus (2020). Docente e pesquisador nas áreas de storytelling e escrita criativa, escreve crônicas de cultura e comportamento no Estadão desde 2013.

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