Globalização é uma palavra gasta. Uma daquelas antiguidades, como diria um velho amigo, que hoje soam mais ultrapassadas que arcaísmos como "vosmecê", "quiçá" e "ceroula".
Certa vez pediram-me para redigir um discurso de formatura com a recomendação expressa de que fosse iniciado por uma referência aos "tempos globalizados". O ano era 1996, quando a internet começava a ganhar o Brasil, mas poderia ser 1500, época das Grandes Navegações, ou quem sabe o ano 100, quando Trajano levou o Império Romano à sua máxima extensão territorial.
Não redigi o discurso. Achava que a referência à globalização, então máxima moda, (re)nascia ultrapassada. Nenhuma outra palavra me vem à cabeça, contudo, quando passo diante de uma porta em que se lê Lebanese Cuisine, encravada no canto de uma praia pacata de Florianópolis.
Detive-me com atenção. Além do cardápio, anunciam-se shows de dança do ventre. Imagino o espetáculo ao som de cítaras. Acho graça. O mundo está mesmo globalizado, eu penso.
Poucos meses antes, de férias em Buenos Aires, lembro de ter concluído que o mundo é uma imensa Rua 25 de Março: profusão de tendas e ambulantes tentando ganhar a vida - em reais, pesos ou dólares - empurrando badulaques de origem chinesa. Li que mais de 70% de todas as canetas, isqueiros e meias do mundo são de origem chinesa.
E eu, que em Floripa queria ver uma apresentação do Boi-de-mamão, de Cacumbi ou Pau-de-fita, rendo-me à dança do ventre. Rendo-me aos seus movimentos sibilantes, ao seu mistério oriental com sotaque manezinho. Consolo-me. Combina melhor com o Brasil essa dança das arábias tropicais do que os velhos papais noéis em seus trajes felpudos.
Em Floripa faz 40 graus, no auge do verão. Na televisão, um velho faroeste americano se desenrolava enquanto o menino devorava pipoca e ria. O mundo é mesmo muito misturado, como já ensinou o gênio das veredas do sertão. E, povoado por uma mesma espécie humana, ainda que variem os traços, línguas e esperanças, o mundo é todo aparentado.
Entre um acorde e outro, entre um suspiro e outro nas curvas dos ventres alheios, lembro de um ensinamento de avó. No mundo, ninguém é uma ilha. Quiçá nem mesmo Florianópolis.