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Males crônicos - crônicas sobre neuroses contemporâneas

Opinião|Não bata panelas quando a presidente falar

No mundo ideal, o panelaço, se necessário, viria 10 minutos depois do pronunciamento, não durante. Ninguém tentaria silenciar ninguém.

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 Foto: Estadão

arte: loro verz

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» Não bata panelas quando a presidente falar. Não enquanto ela falar.

O direito de se manifestar, você rebate, é sagrado. É próprio das democracias, que você e eu defendemos - Deus nos livre do "elemento militar". Tudo muito verdade. Mas ainda mais próprio da democracia é o diálogo. E, para dialogar, é preciso antes ouvir. Deixe a presidente falar.

Deixe falar. Então, avalie. Entenda os argumentos da outra parte, então refute - ou, quem sabe, abrande-se.

Não é que o panelaço não faça sentido, é que ele só faz sentido como resultado do pronunciamento. Nunca, jamais, como maneira de impedi-lo. Silenciar o outro, ainda mais à força, com a estridência de nossos metais, é prática das ditaduras. Nós somos democráticos. Nós ouvimos, refletimos, contestamos e, por fim, nos manifestamos.

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Image um casamento em que, ao primeiro percalço, interrompa-se o desabafo da mulher, ou do homem, às paneladas. Como seria?

- Amor, não gosto quando você sai sem me avisar - diz ela, angustiada.

- Desculpe, é que eu...

Ela pega as panelas. Ele, intrigado, recomeça a se explicar.

- Ontem eu... [clém clém clém, barulho de panelas]

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Como se dizia antigamente, palavras loucas, ouvidos moucos. "Conversa" de loucos.

No mundo ideal, o panelaço, se necessário, viria 10 minutos depois do pronunciamento, não durante. Ninguém tentaria silenciar ninguém. De que temos medo, afinal? De concordamos com o outro, se dermos espaço, se abrirmos brecha? São tão frágeis nossas convicções?

Ouvir não é concordar. Ouvir é ouvir: é o reconhecimento do direito do outro, é um fundamento ético.

Ouça: pense nisso. «

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Opinião por Renato Essenfelder

Escritor e professor universitário, com um pé no Brasil e outro em Portugal. Doutor em Ciências da Comunicação pela USP e autor de Febre (2013), As Moiras (2014) e Ninguém Mais Diz Adeus (2020). Docente e pesquisador nas áreas de storytelling e escrita criativa, escreve crônicas de cultura e comportamento no Estadão desde 2013.

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