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Males crônicos - crônicas sobre neuroses contemporâneas

Opinião|O normal é ser honesto

A honestidade durante a Copa vira notícia. Mas deveria? A honestidade é incomum? É bizarra?

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Atualização:
arte: loro verz Foto: Estadão

Quarenta ingressos no banco do táxi. Esquecidos. Os passageiros, barulhentos e embriagados, já desembarcaram há tempos. São desconhecidos e você não nutre nenhuma simpatia especial por eles. Um esqueceu até o passaporte. Por baixo, uns 20 mil reais em ingressos ali, naquela bolsa. É madrugada e você está exausto de trabalhar, dirigindo o seu táxi entre avenidas escuras de São Paulo.

O que você faz?

A história é conhecida. Dias depois, aliás, repetiu-se em Natal. Outro torcedor perdeu seus ingressos e documentos. Uma estudante os retornou.

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Tudo isso virou manchete. Em tese, nem deveria. O noticiário se pauta sempre no extraordinário, no que foge ao comum. No inesperado - às vezes, no bizarro.

A honestidade é notícia. A honestidade é incomum? É bizarra?

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Nesses e em outros casos, a regra é oferecer recompensas em dinheiro. Agradecer com dinheiro. Ninguém aceitou, o que deixou toda a história ainda mais estranha, mais insólita. Mais notícia?

Há algo desconcertante em alguém que age sem motivação material, sem visar lucros e dividendos. Talvez o fantasma do taxista assombre ainda os mexicanos. Se ao menos ele tivesse aceito cem reais, que fosse. Limparia as consciências de todos. Todos os deverem teriam sido cumpridos. Cinquenta, vai. O valor da corrida até o hotel. Mas: nada.

A dívida é impagável - simplesmente por não haver dívida alguma. Honestidade deveria ser algo banal, normal. Tão banal como recolher o próprio lixo ou respeitar, por exemplo, uma fila. Banal?

Fazendo o que deveria ser feito, sem espaço para reviravoltas dramáticas, o taxista e a estudante contaram ao Brasil uma história antiga, mas que não tem preço. Uma história que andava meio esquecida, desacreditada. Tida como  inverossímil, como uma novela ruim. Mas verdadeira.

O normal é ser honesto. O resto é que deveria ser manchete.

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Opinião por Renato Essenfelder

Escritor e professor universitário, com um pé no Brasil e outro em Portugal. Doutor em Ciências da Comunicação pela USP e autor de Febre (2013), As Moiras (2014) e Ninguém Mais Diz Adeus (2020). Docente e pesquisador nas áreas de storytelling e escrita criativa, escreve crônicas de cultura e comportamento no Estadão desde 2013.

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