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Males crônicos - crônicas sobre neuroses contemporâneas

Opinião|Eu tenho olhado muito para as paredes

As paredes podem também ser telas.

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Foto do author  Renato Essenfelder
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arte: loro verz

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»Dizem que se você olhar para alguma coisa, qualquer coisa, por tempo suficiente, algo acontece. Talvez não com o objeto em si, mas com o sujeito. A gente. Eu tenho olhado muito para as paredes. As paredes do meu quarto, do corredor, da sala. As úmidas paredes do banheiro, cobertas de azulejo português. As paredes da minha casa. Às vezes penso do que são feitas essas paredes? O que há por trás delas? E dentro? Quem as ergueu? Quem as tocou? O que nelas se partiu e por quê? Para descobrir, eu observo.

 

***

 

Uma parede é uma obra de alvenaria que fecha ou divide o espaço de uma construção qualquer. Um muro, tapume, tabique, sebe. A palavra parede vem do latim paries, ou do latim vulgar paretem. Uma superfície que limita um objeto, que encerra alguma coisa em si. Encerra e cerra. Separa. Afasta. Aparta. Apara. Uma parede é um estorvo, um entrave, uma barreira. Impede. Isola, afasta. Quarentena. Mas também protege. Uma parede fecha ou divide o espaço de uma construção qualquer, e essa construção pode ser: o ser humano.

*** As paredes podem ser também anatômicas. Dentro de nós coabitam milhões de minúsculas paredes: anterior; carótica; externa; inferior; jugular; labiríntica; lateral; mastóidea; medial; membranácea; posterior; superior; tegmental; timpânica; parede vestibular. Sem elas, as pessoas desmanchariam. Quando fecho os olhos, ainda as vejo. E no intervalo das pálpebras, e na superfície da pele, cravejadas de imperfeições: as paredes. As paredes também são telas.

*** Uma parede pode ser uma obra da imaginação. Uma superfície que se abre de repente, sutilmente, e coloca em contato dois mundos diferentes. As paredes podem ser janelas.«

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Opinião por Renato Essenfelder

Escritor e professor universitário, com um pé no Brasil e outro em Portugal. Doutor em Ciências da Comunicação pela USP e autor de Febre (2013), As Moiras (2014) e Ninguém Mais Diz Adeus (2020). Docente e pesquisador nas áreas de storytelling e escrita criativa, escreve crônicas de cultura e comportamento no Estadão desde 2013.

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