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Males crônicos - crônicas sobre neuroses contemporâneas

Opinião|Escolha as suas batalhas

Aprendi a nem na imaginação lutar pelo que não vale a pena.

Foto do author  Renato Essenfelder
Atualização:
 

arte: loro verz

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»Não vale a pena brigar por tudo, não vale a pena brigar por qualquer coisa - ou por nada. Há muitas maneiras de medir o envelhecimento. A gente pode se pautar nas opiniões dos mais novos, que nos medem com seus olhos julgadores - e acham bizarro o que era normal e normal o que foi bizarro. A gente pode observar as transformações do corpo, da pele e dos músculos e também da energia vital, da disposição e do tesão. A gente pode simplesmente fazer as contas: eu nasci em 1980; 2021-1980 = 41 (não completos). Uns acharão velho; outros, novo; outros, nada digno de nota. Um número é um número. Outra forma de medir o amadurecimento, mais do que o próprio envelhecimento, é pelas brigas que a gente compra. Basta puxar o histórico de batalhas (as imaginárias, as batalhadas) que temos uma boa medida da ação do tempo. Lembro como uma antiga namorada se queixava com a mesma intensidade de tudo que eu fazia de errado, na mesma proporção. Comprava muitas, imensas, brigas. Atrasar minutos num encontro ou demorar a atender o celular durante o dia era potencialmente tão grave quanto roubar, trair, agredir. Eu dizia a ela: escolha as suas batalhas. Ela, jovem, cheia de energia, não escolhia. Não precisava.

* Nem sempre envelhecer e amadurecer são processos simultâneos. Aliás, num mundo infantilizado, raramente são. Respeito os mais velhos, mas respeito ainda mais as mulheres e homens maduros. As ruas estão cheias de velhos tolos - aliás, outra revelação escancarada pela pandemia. O amadurecimento não respeita o tempo. Amadurecer, aliás, nem é um processo linear. O amadurecimento não é histórico nem simplesmente cumulativo. É uma dança de ziguezagues, avanços e recuos, conquistas e perdas - sobretudo perdas. As perdas amadurecem. Porém amadurecimento também se perde. Eu mesmo não sei se posso dizer de mim que sou maduro. Não sei nem sequer se posso dizer que hoje, aos 40, estou no momento mais maduro da minha vida. Avanços e recuos. Eu fui um jovem de 23 anos extremamente maduro e responsável, comprometido até o último fio de cabelo com a criação de uma filha. Agora, ela é adolescente. Agora eu posso ser um pouco menos maduro. Espero que não demais, não excessivamente.

* Tudo tem um caminho do meio. Quando digo muito maduro posso querer dizer chato, chatíssimo, parafuso na engrenagem do mundo. Quando digo muito imaturo posso querer dizer alegre, corajoso, divertido. Podemos ser ao mesmo tempo confiáveis e ousados? Corajosos e responsáveis? Eu gosto de medir meu amadurecimento não pela idade nem pelo humor. Não pela responsabilidade nem pela excelência. Gosto de olhar para as batalhas que compro e para as batalhas que imagino. Com algum treino, aprendi a nem na imaginação lutar pelo que não vale a pena. Energia é energia, física ou mental. Amadurecer é uma questão de economia. Onde aplicar, onde investir, como prolongar o meu bem estar? Aprendi muito mas não posso descansar. É um treino constante, uma dança. A maturidade também enferruja. A qualquer momento passamos de senhoras e senhores maduros para apenas velhos - ou nem mesmo isso. Apenas criaturas a vagar pela esfera do mundo. Preguei minhas armas na parede como um aviso, um pássaro na mina, um cão no jardim. Estão ali, silenciosas e pesadas, sugerindo um tremendo esforço para iniciar qualquer movimento - e também para interrompê-lo, depois que soam os clarins. Iniciada a batalha, vamos até o fim.«

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Twitter: @essenfelder.Instagram: @renatofelder.  _____________________________________________

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Opinião por Renato Essenfelder

Escritor e professor universitário, com um pé no Brasil e outro em Portugal. Doutor em Ciências da Comunicação pela USP e autor de Febre (2013), As Moiras (2014) e Ninguém Mais Diz Adeus (2020). Docente e pesquisador nas áreas de storytelling e escrita criativa, escreve crônicas de cultura e comportamento no Estadão desde 2013.

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