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Males crônicos - crônicas sobre neuroses contemporâneas

Opinião|Em 2017, não faça papel de trouxa -- e feliz Ano Novo!

Sempre fiz listas elaboradas e pseudofilosóficas com resoluções para o Ano Novo; hoje, cansado, escolado, resolvi simplificar.

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Foto do author  Renato Essenfelder
Atualização:

arte: loro verz

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» Minhas listas de resoluções de Ano Novo já foram muito elaboradas. Coisa pensada: uísque duplo no copo alto, três pedras de gelo, uma longa mirada ao pôr do sol. Então: reflexões filosóficas das mais profundas. Um compêndio de mil páginas mentalmente reviradas em busca de uma lista perfeita, enaltecedora do melhor que há, ou poderia haver, na espécie humana. Ou, ao menos, em mim. No ano seguinte, tudo se ajeitaria, e eu me tornaria o que deveria ser.

Mas a vida sempre fez piada disso. Guinadas. Quando me julgava num blockbuster edificante, terminava num surrealismo italiano. O roteirista da minha vida sempre foi meio piadista - raramente engraçado. De repente, um rinoceronte surgia em minha canoa, desafiando o mar, a maré, a física e meus belos planos.

Neste ano, desisti de todas as listas. Bandeira branca, amor. 2016 puxou tantos tapetes, de tantas formas diferentes, que as resoluções para 2017 subiram no telhado. Risquei um a um os itens da lista imaginária, aquela lista filosófica e elevada de ano após ano. Troquei o uísque pela cerveja e o gelo por uma ducha fria. Minha resolução para 2017 é simples: cara, não faça papel de trouxa.

É. Não quero ser trouxa em 2017. Algo me diz que, de 2016, ninguém escapou. Ou melhor, poucos escaparam. Nenhum dos amigos. Ouvi falar de gente que se deu bem. Num reino muito, muito distante. No geral, todo mundo foi trouxa em 2016 (ou só eu?).

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Bem, não quero ser trouxa em 2017. Não quero perder tempo com bobagem, não quero perder dinheiro com ingenuidades, não quero perder chão com tapete puxado.

Não quero perder saliva com os ignorantes nem energia com cabeçadas na parede. Não quero perderesperanças com golpes de realidade, mas também não perder de horizonte a realidade por causa de olhos vendados de expectativas.

Não quero perder a vida por delicadeza.

Não ser o trouxa, enfim. Ficar um pouco na minha, e na nossa, cercado daqueles que não cobram nada. Gostam.

Mas exercer o papel de trouxa é uma forma de apego também, e por isso a resolução de 2017 é uma montanha. O mundo conspira para que cumpramos essa função tão preciosa ao funcionamento das máquinas. A gente acaba se apegando aos piores vícios: se apega a ser bobo também, é claro, porque o trouxa sempre encontra portas e braços abertos para si - muito embora as mãos estejam disfarçadamente nos seus bolsos, para não dizer em buracos mais abaixo. O primeiro passo, como nos Alcoólicos Anônimos, será admitir a própria topeirice, e, depois: um dia de cada vez. Sem pequenos goles, sem recaídas.

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Exorcizar o trouxa em mim: meta para 2017. O trouxinha dos favorzinhos e o trouxão dos sacrifícios vãos. Os trouxas todos, em todas as suas encarnações, espero deixar em 2016, soterrados na onda de desgraças do ano que logo terá passado. Mas não em vão.

 

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Opinião por Renato Essenfelder

Escritor e professor universitário, com um pé no Brasil e outro em Portugal. Doutor em Ciências da Comunicação pela USP e autor de Febre (2013), As Moiras (2014) e Ninguém Mais Diz Adeus (2020). Docente e pesquisador nas áreas de storytelling e escrita criativa, escreve crônicas de cultura e comportamento no Estadão desde 2013.

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