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Males crônicos - crônicas sobre neuroses contemporâneas

Opinião|Cuidar de plantas é uma habilidade subestimada

Eu, quando vejo um belo jardim, logo penso: que trabalho, que carinho

Foto do author  Renato Essenfelder
Atualização:
 Foto: Estadão

arte: loro verz

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»Cuidar de plantas é uma habilidade subestimada. Eu, quando vejo um belo jardim, mesmo que diminuto, mas viçoso, bem cuidado e longevo, logo penso: que trabalho, que carinho.  Cuidar de plantas exige, pois, trabalho e carinho. Não basta apenas regar todos os dias (ou semanas) à mesma hora e com a mesma quantidade de água. Não basta trocar a terra, pesquisar a adubação apropriada, respeitar a proporção entre vasos e plantas e a correta exposição à luz, ao calor e à umidade.  Mas também não basta amor - essa palavra estranha. Não chega carinho, bem querer, vontade, cafuné, abraço, toque, lágrima derramada, cabelo arrancado, empatia. Não é suficiente ter mão boa, cabeça boa, coração bom.  É tudo isso e mais muita coisa de mistério. Foi de uns anos para cá que aprendi a cuidar um pouco melhor de minhas plantas. Até há pouco tempo, não conseguia fazer nada durar. Nem a roseira mais jovem e sensível nem a suculenta mais experimentada e resistente. Todas as plantas que chegavam à minha casa mantinham o encanto por algumas semanas, no máximo meses, e se engajavam no que parecia ser um inevitável processo de definhamento. Definhavam discretamente, sem um único muxoxo (por mim) perceptível.  Simplesmente começavam a perder a cor, o tom, e então lentamente envergavam suas hastes tristes em direção ao solo. Era tarde. Ou quase: replantadas em outros jardins, logo recuperavam o viço.  Assim, foi com satisfação que constatei que, no meu quintal pessoal, com o tempo, as coisas melhoraram. Com o tempo e esforço. Com o tempo e carinho.  Ainda não sei, honestamente, o segredo das plantas. Sei que não é nem tempo nem esforço nem carinho, unicamente, embora careçam disso tudo. Às vezes parecem estar aí justamente para me provar isto: que não sou capaz de decifrá-las. Irritam-me. Aborreço-me.  Não desisto. Ainda não sei, honestamente, o segredo das plantas. Mas já não me preocupo tanto, apenas confio. Sigo com trabalho e carinho, mais um bocado de instinto. Sigo os meus sentidos. Rendi-me ao mistério das plantas.«

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Twitter: @essenfelder.Instagram: @renatofelder.  _____________________________________________

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Opinião por Renato Essenfelder

Escritor e professor universitário, com um pé no Brasil e outro em Portugal. Doutor em Ciências da Comunicação pela USP e autor de Febre (2013), As Moiras (2014) e Ninguém Mais Diz Adeus (2020). Docente e pesquisador nas áreas de storytelling e escrita criativa, escreve crônicas de cultura e comportamento no Estadão desde 2013.

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