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Males crônicos - crônicas sobre neuroses contemporâneas

Opinião|Carta aberta de um eleitor do PT

Partidos, enquanto agremiações de ideias, sempre serão defensáveis. Ladrões, não.

Foto do author  Renato Essenfelder
Atualização:

» Votei no PT. Não uma nem duas vezes. Não a um ou dois cargos. Votei em vereadores e deputados, em prefeitos, governadores e presidente. Não sistematicamente, pois também votei em FHC, e não por adesismo fácil. Somente porque, na incerta arte de votar, que exerci muitas vezes bem (especialmente no Legislativo) e outras tantas mal, o partido me oferecia regularmente bons quadros, boas promessas.

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Dito isso, não há como evitar o sentimento de vergonha a cada nova revelação sobre pessoas nas quais um dia pus fé. Vergonha maior das justificativas arrogantes e das notas oficiosas em defesa de Lula, que megalomaniacamente o partido chama de "filho mais ilustre" do povo brasileiro.

Por isso gostaria de dizer aos amigos eleitores do PT, da maneira mais tranquila possível, já cansado da intifada das redes sociais: parem, está ficando feio.

Está ficando feio defender histericamente quem não consegue, sozinho, mesmo com todo o dinheiro do mundo, se defender. Se é cedo para condenar, ao menos calemos: melhor acompanhar de perto cada etapa higienizante da Lava Jato do que fazer apostas, prontificar as mãos ao fogo. Eu votei em Lula (contra Collor e contra Serra), mas nem lá atrás nem hoje apostaria a vida em sua honestidade - nem na de Aécio nem na de FHC nem na de Dilma nem na de ninguém que mal conheço, senão por maquiagem marqueteira.

Se a ocasião faz o ladrão, talvez as ocasiões tenham se multiplicado demais nesses anos todos. Se o ladrão vem de berço, talvez tenhamos sido cegos. Não sei. Mas o ponto central, que gostaria de compartilhar com os amigos, é que existe algo muito maior do que a adesão a um programa de esquerda ou de direita. E esse algo é ético: a diferença entre roubar e não roubar.

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Chega. Não se trata de perseguição nem de ideologia. Roubo nada tem a ver com o ideário de esquerda. Roubo nada tem a ver com a condenação a um credo, a uma corrente política. Roubo é roubo, simplesmente, e o único beneficiado foi o ladrão e comparsas. Condenar o ladrão é condenar o ato de roubar. Nada mais.

Parece simples, dito assim, e certas coisas podemos simplificar sem prejuízo ao entendimento. Houve políticas louváveis no governo Lula? Sim, provavelmente. Erros também. Mas, se houve roubo, e isso a cada dia é mais difícil de negar, há que se punir os autores.

Gosto quando meus amigos defende um governo de esquerda "de verdade", ou de direita "de verdade", lembrando que o que está aí não é uma coisa nem outra: é oportunismo e confusão.

Não é portanto aos eleitores do PT que devemos condenar, expressar indignação. Foram enganados. Fomos enganados. Partilho do desgosto de políticos admiráveis que deixaram o partido nos últimos anos. Nem ao PT condenaria, pois o que é o PT senão a soma de todas as ideias de todos os seus milhares de apoiadores? Expurgue-se, portanto, o banditismo. Assim como o clube de futebol sobrevive à torcida organizada bandida, o partido sobreviverá, se atual, necessário e coerente, à camarilla dos seus líderes.

Por fim, confundir o partido com uma religião, elevando Lula à condição de um líder espiritual, inatacável, inabalável, redentor, obscurece a razão e mata o debate.

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Vamos condenar o ladrão, quem quer que seja. E, aparentemente, há muitos ladrões na história recente de Brasília - de muitos partidos.

Podemos divergir sobre a política econômica de um e de outro, sobre a cobertura da imprensa, sobre favoritismo e predileções. Torço para que o jato purificador recaia sobre todos, infalivelmente.

Opiniões, todos as têm. Respeito; respeitamos.

Mas roubo é roubo. «

 

Opinião por Renato Essenfelder

Escritor e professor universitário, com um pé no Brasil e outro em Portugal. Doutor em Ciências da Comunicação pela USP e autor de Febre (2013), As Moiras (2014) e Ninguém Mais Diz Adeus (2020). Docente e pesquisador nas áreas de storytelling e escrita criativa, escreve crônicas de cultura e comportamento no Estadão desde 2013.

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