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Males crônicos - crônicas sobre neuroses contemporâneas

Opinião|Cara, você precisa se posicionar sobre isso tudo aí

Em tempos de polarização em torno do impeachment, ninguém pode ter dúvidas sobre o que é melhor para o país.

Foto do author  Renato Essenfelder
Atualização:
 Foto: Estadão

arte: loro verz

» Cara, você precisa se posicionar sobre isso tudo.

Isso tudo o que está acontecendo, a vida lá fora, fora do seu pequeno mundo.

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Você precisa, definitivamente, assumir uma posição. Quem não está comigo está contra mim: não há mais abrigo nem cafezinho. 

Eu tenho achado você muito ambivalente, eu não entendo a pornografia com que você transita de lá para cá. Ou é isso ou é aquilo, cara: nós todos esperamos você se posicionar.

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Já me disseram que você era tipo aqueles caras que pintavam a cara, e eu dei risada porque realmente imaginei a cena: você de cara pintada, no meio da rua, com camisa da Seleção - eu duvido que você tenha camisa da Seleção, meu amigo, duvido que saiba a última escalação - e achei aquilo tão surreal quanto um rinoceronte num barquinho a remo pelo mar.

Eu falei que era mais provável que você marchasse de vermelho, os olhos inchados, o cabelo soprando à esquerda, o punho cerrado. Um, dois, três, liberdade outra vez!

Mas então riram, claro. As coisas que você anda escrevendo, cara, as coisas que você anda pensando, meu Deus, no silêncio da sua casa. Como conciliar tanta fruta estranha? Não dá, é preciso dar um basta.

Basta! Então fala, de que lado você está?

Repara, todos à volta já se decidiram, e dessa decisão não arredam. Não arregam. Não me venha com ponderações, pesos abstratos, porquês e senões. Não fale compreensão, essa palavra ridícula. Não fale mistério. Todos já se decidiram, o porteiro, o faxineiro, o presidente, o professor, o estudante, o engravatado. Todos já sabem tudo o que é preciso saber: brandindo seus porretes imaginários - ou quase - estão prestes a demolir os adversários. Eu, por exemplo, estou muito certo do que lhe digo. Venha para o meu lado,

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vem guerra por aí.

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Você na outra vez disse que precisava de Deus porque a vida não bastava. Pois: eu trago Deus e seu cajado. Apenas certezas. Agora descanse, descanse a cabeça, descanse os olhos, os ouvidos. Repousa no meu seio, onde repousa uma certeza. Aqui, do meu lado.

Só não seja esperto - nem tente. Alguns, os espertos, mudam de lado a toda hora, quando o lado melhor convém. Falam bonito, mas já não convencem. Os políticos profissionais são espertos, os candidatos, os carreiristas, os puxa-sacos. Pensei, realmente, no perigo de você se tornar um esperto, com suas opiniões pornográficas: querer hoje o meu lado, amanhã, outro lado, dividir-se assim em tantos lados (mas só há dois lados, cara, e você precisa se posicionar) quantos forem os lucros. Logo descartei essa ideia desbaratada, reconheço, pois te conheço há muito tempo, cara, e sei que não é um espertalhão.

Você só está confuso. Só está em dúvida, não conheceu ainda a certeza. Você parece ter muitos lados ao mesmo tempo, e não um de cada vez, conforme o público e os ganhos, mas assim não ganha nada. Só inimigos. Quem estenderá a mão?

Eu sei que as coisas parecem confusas para quem não tem certezas. Eu mesmo já estive confuso, mas hoje, não. Tudo o que você tem a fazer é fechar comigo, fechar pernas, braços, bocas e espírito, completamente comprometido, sem meias palavras, dúvidas, ponderações.

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Não se preocupe com as dúvidas, elas somem em pouco tempo. Não se preocupe com as armas, eu trago um arsenal.

Só me diga uma coisa, cara, afinal: de qual lado você está? «

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Opinião por Renato Essenfelder

Escritor e professor universitário, com um pé no Brasil e outro em Portugal. Doutor em Ciências da Comunicação pela USP e autor de Febre (2013), As Moiras (2014) e Ninguém Mais Diz Adeus (2020). Docente e pesquisador nas áreas de storytelling e escrita criativa, escreve crônicas de cultura e comportamento no Estadão desde 2013.

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