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Males crônicos - crônicas sobre neuroses contemporâneas

Opinião|Da arte de dar murro em ponta de faca

O caminho fácil é em geral associado ao erro, à fraqueza e à tentação. Será? Dar murro em faca, cabecear as paredes, não é nem virtude nem solução.

Foto do author  Renato Essenfelder
Atualização:
 Foto: Estadão

 arte: loro verz

 

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A vida é um intercâmbio entre disposição e sabedoria. Disputa de tempo e energia.

Por ironia, nossa disposição é tanto maior quanto maior é nossa inexperiência. Temos infinita energia para errar, esmurrar facas, cabecear paredes. E, quando enfim atingimos a sabedoria das palmilhas gastas, já não suportamos muita caminhada.

Há pouco fôlego para acertos, na vida. Por isso eles são tão preciosos, por um lado, e tão dispensáveis, por outro. Melhor aprender a viver com os erros, que são muitos e frequentes, do que sombrear sob acertos incertos.

Na esquina da juventude, a meio caminho entre fôlego e sabedoria, uma mulher lamenta as suas escolhas erradas. Muita energia desperdiçada. Toma uma decisão: é preciso resistir aos caminhos fáceis. É preciso perseverar no caminho mais longo, mais duro, para evitar o erro. Com disciplina e obstinação. A tentação fala sempre suavemente, ao pé do ouvido.

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Mas, amiga, o erro é inevitável.

Cuidado. O caminho difícil não é o mais certo. Pode ser, apenas, o caminho mais penoso até o erro - inevitável. Somos tão jovens. Jovens demais para nos preocuparmos com tantos acertos: escolher a melhor carreira, a melhor cidade, o melhor bairro, o melhor amigo, o melhor carro, a melhor roupa para o melhor encontro com o melhor pretendente.

Entre uma escolha e outra, a vida escorre.

A vida é feita de escolhas, mas não é a escolha em si, é a consequência. Goze a consequência.

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Um escritor português disse: é infinitamente mais útil o erro fértil do que a verdade estéril. O erro pode ser o fim, mas no mais das vezes é apenas o começo.

À muita custa e dano eu aprendi, ao contrário de ti, a seguir pelo caminho fácil. Eu, que sempre rolei rochas montanhas acima.

Mas a vida não é montanha. A vida é a vida; talvez seja um rio. Flui. Arrasta todas as coisas na sua correnteza.

Quando penso que a vida é um intercâmbio entre disposição e sabedoria, não me aborreço. Não acho ruim que assim seja, que tenhamos tamanha energia na ignorância, na cegueira, e tão pouca na sabedoria. Seria tolo de minha parte achar isso bom ou ruim, porque a vida é maior do que qualquer adjetivo.

O caminho fácil é o caminho do rio. Você pode se afogar lutando contra a correnteza, ou pode chegar mais longe flutuando nela. Não quero dizer que se acomode, não quero dizer que não seja dona do próprio destino - essa palavra que ninguém explica e ninguém descarta.

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O rio é grande, e as correntezas podem levar a todos os lugares. A teimosia no caminho mais difícil, um "fazer dar certo" a qualquer custo, podem ser vaidade sua. Querer provar algo, provar que é capaz de algo - que a ninguém importa - pode ser ignorância sua. Ou medo.

O caminho que parece fácil às vezes só parece fácil para você, porque foi talhado para você. Para mim é fácil escrever, mas é difícil, penoso, calcular, pregar quadros nas paredes, frequentar multidões.

Eu não sei se o caminho suave trará mais ou menos acertos para você, que se preocupa tanto em acertar. O que eu sei é que você vai errar, vai quebrar a cara de novo e de novo, cair, chorar. Não importa se percorreu milhas no deserto ou metros no jardim, vai se quebrar. Mas vai levantar. E seguir.

Melhor, assim, cultivar o jardim.

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Opinião por Renato Essenfelder

Escritor e professor universitário, com um pé no Brasil e outro em Portugal. Doutor em Ciências da Comunicação pela USP e autor de Febre (2013), As Moiras (2014) e Ninguém Mais Diz Adeus (2020). Docente e pesquisador nas áreas de storytelling e escrita criativa, escreve crônicas de cultura e comportamento no Estadão desde 2013.

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