arte: loro verz
» Volto de uma caminhada de uns 100 km pelo Monte Roraima: subida e descida. Os amigos que me chamaram de louco por ir para uma região selvagem, sem água, sem luz elétrica, ficaram em São Paulo: sem água, sem luz elétrica. Outro falou cuidado com a dengue.
Pegou dengue em São Paulo.
O conceito de "civilização" é discutível, e maravilhado descobri, preso no trânsito abissal entre o aeroporto e a minha casa, que também a noção de conforto é relativa.
Na montanha não havia torneira, banheiro, eletricidade. Mas havia banho de rio, cachoeira, ar puro, passarinho, paisagens intocadas e o céu estrelado mais bonito que já vi. Outros confortos. Luxos, até.
Toda viagem é aprendizagem, e durante as andanças de sete, oito horas por dia, eu pensava no que deveria ficar comigo, de tudo daquilo. Comecei um diário no primeiro dia. Rabisquei mais de 40 páginas até o sétimo. Às vezes, autoconselhos pueris (como "tomar mais banhos gelados"), às vezes, epifanias sobre o sentido da - minha - vida.
Cada viagem é única - assim como a experiência de aprendizagem, não pode ser reproduzida indistintamente. Pois toda viagem é para dentro de si, sempre, e, embora afetada por montanhas, praias, hotéis, festas e companhias, nunca deixa de ser, em essência, uma experiência subjetiva.
Como a caminhada. Logo de início, o guia avisa: as trilhas são difíceis. Eu conheço caminhos, mas isso não os tornará menos difíceis. Eu posso apontar um caminho, mas não posso trilhá-lo por você. Não posso oferecer disposição, fôlego, curiosidade, vontade, coragem, resistência, persistência. Não posso nem sequer oferecer um sentido ao caminho nem ao menos afirmar que é o melhor. Só posso dizer: este é um caminho.
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Enquanto o guia, venezuelano simples e sorridente, falava, eu pensava que tinha razão o velho mestre que disse "o caminho é o não-caminho".
Cada caminho se faz ao caminhar, e, principalmente, cada um caminha do seu jeito.
O mais importante é descobrir isso, o que só aprendemos observando o entorno e ouvindo o próprio corpo com atenção. Meu caminho, que não era o caminho de mais ninguém, era um pouquinho mais acelerado (sempre fui passolargo), um pouco mais silencioso, com pausas esporádicas para massagear os pés e olhar o céu.
Também aprendi no meu não-caminho que os primeiros cinco minutos de andança eram os mais difíceis, quase insuportáveis. Que o corpo é um animal de carga, teimoso, preguiçoso, que tende à inércia. Só age mediante a insistência do espírito, que precisa ser firme até que aquele animal empacado passe a aceitar placidamente o destino de nos carregar montanha acima.
Uma vez convencido, o corpo reage e caminha sem mais reclamar por miudezas. Basta que se assegure de que é indispensável andar.
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Em uma trilha as estradas frequentemente se bifurcam, como no jardim borgeano, e nunca sabemos muito bem por qual lado seguir. Mas os caminhos que levam ao Monte Roraima são como os da vida: embora se multipliquem e se dividam em trechos mais ou menos tortuosos, aclives e declives, sombreados ou cáusticos, todos levam ao mesmo destino, a montanha.
Também aprendi isto: não importa por onde se vá, o destino será o mesmo para todos os que andam sobre a terra. Mas o caminho pode ser mais ou menos fácil, mais curto ou mais longo, mais seguro ou mais perigoso.
Todos saímos do mesmo ponto e chegamos ao mesmo fim, sem distinções. E a dor da caminhada nos aproxima: somos todos iguais suados, com frio, distensões, bolhas, calos, unhas roxas.
O vento de Roraima bate sobre todos, o sol de Roraima fustiga a todos: ricos e pobres, negros, brancos, amarelos e índios, gordos e magros, homens e mulheres, crianças e velhos. Todos se apoiam diante de um paredão, trocam provisões, estendem as mãos, comemoram a conquista de mais cem metros e se maravilham com o canto de um pássaro.
Sem água, sem luz. A civilização. «
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