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Males crônicos - crônicas sobre neuroses contemporâneas

Opinião|Ai, que saudade da ditadura*

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Atualização:
 arte: loro verz Foto: Estadão

No tempo da ditadura é que as coisas funcionavam. Não era essa balbúrdia, não era essa zona. Tinha dono no pedaço, a gente sentia que tudo caminhava segundo um projeto, um projeto de Brasil grande, de país do futuro.

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Hoje eu vi um menino de rua pedindo dinheiro a uma Ferrari. Ou melhor, ao motorista da Ferrari, que provavelmente é gente de carne e osso, como nós. Estavam ali na avenida Giovanni Gronchi, em São Paulo, no bairro do Morumbi. Estavam ali na avenida Giovanni Gronchi, em São Paulo, no bairro de Paraisópolis. Ali, uma das maiores favelas do Brasil, segundo o IBGE.

É tudo uma questão de ponto de vista.

No tempo dos militares não haveria o menino de rua. [Nem ponto de vista.]

No tempo da ditadura, dura mesmo, as coisas funcionavam. Os militares não roubavam: não havia mensalão, trensalão, corrupção. Nem petralhas nem tucanalhas, em 1964 eram todos unidos por um fim: o Brasil. Todos gritavam juntos, nas ruas, nos quartéis, nos porões, na selva e no pau de arara: "Viva o Brasil!".

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Éramos felizes e não sabíamos.

Até a cultura era melhor, na ditadura. Hoje não se produz nada que preste. E a economia ia bem: havia uma abundância de empregadas domésticas pra gente escolher - dormiam no quartinho dos fundos, felizes. Que maravilha, os aeroportos viviam quase vazios.

As ruas eram limpas: nada de bêbados, nada de equilibristas.

A saúde era uma maravilha. As escolas públicas tinham qualidade. Todo mundo sabia cantar, de cor, treze hinos: nacional, da República, da Independência, da Marinha, da Aeronáutica, do Expedicionário, da Revolução Constitucionalista de 1932 etc. Quantos desses você conhece? Morreu a cultura.

Nasci nos anos 1990, que pena, mas tenho saudades disso tudo. Hoje eu posso falar: ai, que saudade da ditadura. Faço marcha, peço intervenção militar, peço o fim da corrupção dos partidos, o fim do Congresso, de toda essa bandalheira.

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1. O Brasil precisa de uma ditadura para ser levado a sério pela Fifa.

2. As mulheres precisam de uma ditadura para se darem ao respeito.

3. Os vagabundos precisam de uma ditadura para aprender a trabalhar.

4. Os manos não merecem direitos humanos; que saudade da tortura da ditadura.

Hoje eu posso falar: ai, que saudade da ditadura. Hoje eu marcho na av. Faria Lima pedindo ditadura. Reúno amigos em Moema para debater ditadura, distribuo panfletos no Leblon pela ditadura, tenho seis grupos no Face; até compus uma marchinha.

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Só a ditadura salva a democracia.

 

*Contém ironia.

 

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Opinião por Renato Essenfelder

Escritor e professor universitário, com um pé no Brasil e outro em Portugal. Doutor em Ciências da Comunicação pela USP e autor de Febre (2013), As Moiras (2014) e Ninguém Mais Diz Adeus (2020). Docente e pesquisador nas áreas de storytelling e escrita criativa, escreve crônicas de cultura e comportamento no Estadão desde 2013.

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