arte: loro verz
»O verão partiu sem fazer as malas. O aviso veio de repente, numa esquina do Porto. Uma lufada de ar frio e cortante, no fim da tarde, com os amigos sentados à mesa do bar. Era o verão que partia. As suas últimas carícias passaram rapidamente sobre as coxas nuas. Um suspiro de satisfação e um gemido. Adeus, adeus. O verão se despela, despede, despedaça. Sobre o manto abandonado do verão, as folhas das árvores começam a se acumular. Já é outono. O outono é incomunicável. Vem sorrateiramente, como uma visita que já está à porta antes mesmo de terminarmos de arrumar a casa. As plantas começam a perder a cor e o viço, o sol já se põe um pouco mais cedo. Uma luz metálica avança sobre a cidade, cobrindo-a desigualmente, como uma chuva de papel dourado que se acumula em certos cantos reluzentes. Resgatamos os casacos do fundo do armário, as galochas e capas de chuva. Em breve serão precisos. O outono é frio e úmido por aqui. No ano passado enfrentamos mais de 30 dias seguidos de aguaceiro. No fundo do armário, objetos perdidos, inutilizados há tempos. O outono é uma estação de úmida saudade. Desdobro os abrigos de chuva e a carência das coisas igualmente incomunicáveis, igualmente partidas. Juntamo-nos nas esquinas: conterrâneos próximos mas distantes, dilacerados emigrantes. Aguardamos o inverno ao redor da fogueira. Falamos do Brasil, esse anjo torto, em segredo. À vista de todos nosso Brasil expõe suas entranhas como uma estranha fruta mordida e largada ao sol. Compartilhamos lembranças de uma terra bem-aventurada e farta, vibrante e alegre. Será passado? Será poesia? Não dizemos mais nada. Estaríamos comemorando a primavera, noutros tempos. Hoje os amigos que lá lutam, que lá vivem e trabalham, parecem ter perdido o passo da primavera. Estão à espera da primavera que passou. Sabemos que ela voltará, mas quando? Não aguardam o sol, mas o dilúvio. Recomeço. Até quando, treva?«