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"Trekonomics", a economia do futuro de "Jornada nas Estrelas"

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Por Sergio Kulpas
Atualização:

Já faz quase 50 anos que a nave Enterprise se aventurou pelo espaço sideral, com o capitão Kirk e sua tripulação dedicados a explorar novos mundos e encontrar novas civilizações. "Jornada Nas Estrelas" gerou cinco séries para a TV (seis, contando o desenho animado), uma dúzia de longas-metragens, livros, discos, DVDs, e muitos milhões de fãs ao redor do mundo. O universo de Star Trek é cada vez mais familiar e próximo de nosso cotidiano.

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Uma série de ficção-científica singular em muitos aspectos, Star Trek é o tema de vários estudos sérios escritos ao longo de décadas por cientistas políticos, sociólogos, físicos, engenheiros e até teólogos. Vários executivos e pesquisadores do Google (um ninho de fãs da série) dizem que o objetivo da empresa é criar tecnologias similares às da nave Enterprise para aumentar o conforto e facilitar a vida das pessoas. O Dr. Martin Cooper da Motorola declarou que se inspirou no comunicador usado por Kirk e Spock para criar o primeiro telefone celular. Várias tecnologias que usamos hoje também são inspiradas por objetos fictícios da série ou dos filmes de Star Trek.

Acima de tudo, Star Trek se passa em um universo onde a guerra, a fome e a pobreza foram eliminadas, bem como outras mazelas sociais, incluindo a discriminação e o racismo. É uma utopia audaciosa, onde a abundância gerada pela tecnologia eliminou também o capitalismo e outros modelos econômicos -- e até mesmo o dinheiro (o "capital" continua existindo, mas definido de outro modo).

A ideia de uma sociedade não-monetária, ou "anumismática", é dos maiores destaques da saga de Jornada nas Estrelas. É um elemento mais relevante que as ideias tecnológicas na narrativa, como o teletransporte, o tricorder, os torpedos fotônicos, e as naves que voam mais rápido que a luz.

Foi justamente esse aspecto do ambiente de Jornada nas Estrelas despertou o interesse de Manu Saadia, que está escrevendo um livro chamado "Trekonomics", para discutir a economia e a sociedade humana do século 23. A ideia para o livro surgiu a partir de conversas entre Saadia e Chris Black, que foi roteirista da série "Star Trek: Enterprise", e de textos publicados sobre o assunto no site Medium. O livro será publicado pela plataforma Inkshares e pode ser pré-encomendado pelo site. Saadia disponibilizou a introdução e o primeiro capítulo do livro.

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Em "Trekonomics", Saadia examina a "pós-economia" do universo da Federação Unida de Planetas, onde o dinheiro é desnecessário porque tudo pode ser produzido em "replicadores", máquinas que convertem energia em matéria e sintetizam desde alimentos até peças para naves espaciais. E de graça. A Terra do século 23 eliminou a escassez através da tecnologia.

A "ausência de escassez" produz uma sociedade onde dinheiro, preços ou mercados são irrelevantes. E também não existe lucro. Num mundo assim, por que as pessoas dedicariam suas vidas a projetos, carreiras e invenções, sem a expectativa de retorno material? Como avaliar as opções e mensurar os resultados do trabalho sem uma unidade monetária quantificável?

Saadia admite que é um grande salto de otimismo, mesmo para o fã mais devotado de Jornada nas Estrelas neste começo do século 21, imaginar que um mundo assim pode emergir de nossa sociedade obcecada pelo consumo e pela acumulação de bens.

O livro de Saadia pretende avaliar as possibilidades de chegarmos a esse mundo utópico, usando os enredos de episódios das séries e dos filmes de Star Trek como ponto de partida para estimular a discussão, bem como ideias de pensadores como Adam Smith e Jeremy Bentham. Talvez o resultado não seja um tratado fundamental de economia ou política financeira, mas deve ser uma leitura interessante.

Saadia observa que os roteiristas de Jornada nas Estrelas foram cuidadosos ao estabelecer que embora a economia interna da Federação seja não-monetária, essa união de planetas se relaciona com outras civilizações e sociedades que são monetárias, e que mantém regras de valor e preços em suas relações comerciais.

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Saadia disse que na sociedade de Star Trek, a natureza do trabalho não dependerá mais do consumo, ou a mera subsistência. A chave para isso é dissociar o trabalho do pagamento, da recompensa monetária. Essa é a mensagem da série, disse Saadia.

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Em entrevista ao Washington Post, Saadia disse que em vez de trabalhar para aumentar sua riqueza ou acumular bens, as pessoas em uma sociedade "anumismática" do futuro se esforçarão para aumentar sua reputação. A recompensa do trabalho será o prestígio. Para conquistar esse prestígio, você vai se esforçar para ser o melhor capitão de espaçonave da galáxia, o melhor médico, o melhor cientista, o melhor artista, etc. E vai competir com outros pela mesma distinção. Seria uma meritocracia em sua expressão mais pura, sem as desigualdades sociais de hoje.

Gene Roddenberry, o criador de Star Trek, reconhece que se inspirou nas histórias do escritor de ficção-científica Isaac Asimov para criar muitos dos elementos que se tornaram famosos na série. Mas Roddenberry era um visionário também, e sua visão humanista do futuro venceu até os preconceitos que eram os valores dos anos 1960. Muitas ideias "políticas" que estavam nos roteiros da série original foram vetadas, mas para horror dos executivos da rede NBC, Gene insistiu em colocar na ponte da Enterprise uma tenente negra, um jovem russo e um alienígena em papéis de protagonistas. As tecnologias de Star Trek estão se tornando realidade, uma a uma. Talvez a sociedade sem dinheiro sonhada por Gene não esteja tão distante assim.

O vídeo para promover o livro "Trekonomics":

https://vimeo.com/131823542

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(Ilustração: Cleido Vasconcelos)

 

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