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Cortes finos no tecido online

A perturbadora "máquina de sonhos" do Google

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Por Sergio Kulpas
Atualização:

O Google inventou uma máquina que sonha. Talvez por acaso, apenas tentando produzir algo comercialmente útil, os pesquisadores da empresa criaram um sistema que "enxerga" formas no chamado ruído branco, aquela tela de pontos coloridos como uma TV fora do ar. Esses pontinhos são interpretados pela máquina como padrões e objetos coloridos, a partir de um gigantesco banco de dados visuais. É como uma criança que enxerga formas de animais nas nuvens. E cada novo objeto é reinterpretado de novo, de novo, e de novo - como ocorre nos sonhos (e alucinações) dos seres humanos.

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Ao olhar para as imagens geradas pela máquina do Google, é difícil não pensar nas cores vibrantes dos quadros de Van Gogh ou de Hieronymus Bosch, ou no pintor inglês Louis Wain, que sofria de esquizofrenia e documentou a progressão de sua doença em pinturas de gatos. E em vários artistas que produziram trabalhos visuais sob o efeito de drogas alucinógenas, como LSD, peiote ou cogumelos.

Há algumas semanas, o Google publicou em seu blog de pesquisas um interessante post sobre o uso de redes neurais artificiais (ANNs) para buscas sofisticadas de imagens e reconhecimento de voz. Essas redes são formadas por muitas camadas de "neurônios artificiais", que se correlacionam de modo a imitar o funcionamento de um cérebro vivo.

O Google tem usado esse sistema para organizar automaticamente os muitos bilhões de imagens em seus bancos de dados. A empresa chamou a tecnologia de "Inceptionism", em referência ao filme "A Origem", onde Leonardo DiCaprio e seus amigos entram nos sonhos das pessoas. Mas as imagens geradas pelo Google lembram mais a "máquina de gravar sonhos" que aparece em "Até o Fim do Mundo", filme dirigido por Wim Wenders em 1991.

Por exemplo, os programadores do Google "ensinaram" à rede neural o que é um garfo, mostrando milhões de imagens de garfos e indicando que cada uma delas representa o objeto "garfo". Cada uma das muitas camadas da rede (podem variar entre 10 e 30 camadas) extrai informações cada vez mais complexas da imagem, incluindo todos os detalhes, cantos e curvas que compõem a ideia de um garfo. A rede acaba por entender que um garfo é um objeto com um cabo e que tem entre dois e quatro dentes. Se surgirem erros nessa intepretação, a equipe humana corrige os defeitos e tenta novamente.

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Essas descobertas foram muito úteis para o processamento de imagens do Google, mas a equipe foi além. Os cientistas usaram a ANN para amplificar padrões que a rede encontrava nas imagens. Cada camada da rede funciona com um nível diferente de abstração - algumas se concentram em ângulos formados por variações no contraste, enquanto outras se fixam em formas e cores. A equipe então instruiu a rede a extrapolar sem limites, acentuando todos os detalhes que reconhecesse. Desse modo, se uma imagem de uma nuvem parece um pássaro, a rede converte a imagem em elementos de pássaro e continua fazendo isso muitas e muitas vezes.

A equipe do Google percebeu então que esse processo de identificar imagens também poderia ser usado para CRIAR imagens. Se a máquina sabe qual é a aparência de um garfo, ela poderia muito bem desenhar um, a partir da estática visual chamada "ruído branco". Assim, o Google começou a pedir para a ANN que desenhasse objetos a partir das observações abstratas.

Os cientistas descobriram que os neurônios artificiais são muito diferentes dos nossos. Quando pediram que a rede neural criasse um desenho de halteres a partir da memória acumulada, o computador geralmente incluía formas parecidas com braços unidas aos halteres. Como as fotos de halteres geralmente acompanham os braços da pessoa que usa os pesos, o computador entendeu que halteres têm braços.

A pesquisa do Google foi motivada por um propósito prático: aprimorar a qualidade das pesquisas visuais do site de buscas, em um momento em que imagens são cada vez mais importantes na comunicação digital.

Atingindo um alvo imprevisto, as redes neurais do Google podem ter dado um passo importante para aproximar a mente humana de uma mente puramente artificial que pode surgir no futuro. Essa semelhança pode levar a uma compreensão maior sobre nossos segredos mais obscuros: o mundo invisível do subconsciente, e a origem dos sonhos e visões. Como isso, poderemos ser capazes se lançar luz sobre nossos próprios processos mentais, e talvez chegar à cura para algumas doenças muito sérias.

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Veja mais exemplos de imagens geradas pelo experimento do Google aqui, aqui, aqui e aqui. Neste site, você pode fazer o upload de uma imagem sua e ver o resultado processado pela rede neural - como há muitos curiosos na fila, pode levar vários dias para renderizar a imagem.

Para ilustrar com perfeição o sistema, os cientistas "converteram" uma cena do filme "Medo e Delírio em Las Vegas" usando a rede neural. O resultado é deslumbrante e assustador:

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(Ilustração: Cleido Vasconcelos)

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