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Pelo desenvolvimento integral das crianças e seus direitos

Reportagens sobre adoção exigem relação de confiança e sensiblidade

Como falar sobre adoção sem conversar com crianças e adolescentes que aguardam o acolhimento de uma família? "Precisamos de um novo espírito questionador que torne nossos veículos - tanto no conteúdo quanto na forma - vivos e renovados", ja afirmou Alberto Dines.  Como mediadores do debate público, a cobertura jornalistica sobre o desenvolvimento da infância exige um olhar e cuidado ímpares, responsáveis e desafiantes. Achei o tema pertinente neste Dia Nacional da Adoção. Mas não podemos nos intimidar diante da arte de reportar os componentes que envolvem a adoção e a espera de uma criança por uma família. Decidi recuperar os bastidores de um produto jornalístico que acompanhei e que traz um retrato de vários temas sobre o assunto.: uma série do Jornal Nacional sobre adoção realizada em 2017. https://globoplay.globo.com/v/5760284/ . Ela persiste muito atualizada neste dia Nacional da Adoção. Mas quis falar sobre o papel do jornalista (na frente das câmeras e nos bastidores)  lidando com esse tema. A conversa foi com a repórter Graziela Azevedo.  Ela confessou algo motivador: "Não perdemos nenhuma chance de encaminhar ideias e pessoas que possam contribuir para fortalecer as crianças que esperam. "

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Por Terciane Alves
Atualização:

 

NI-  O que motivou a realização da série sobre adoção exibida no Jornal Nacional e quando ela começou a ser realizada?

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Graziela Azevedo - A ideia surgiu numa reunião de pauta, no início de janeiro. Na ocasião se discutia as dificuldades relatadas por alguns candidatos e o contraponto do grande número de crianças abrigadas. William Bonner me pediu que desenhasse uma série sobre o assunto para o Jornal Nacional, convidei a editora Bruna Uehara e a produtora Fabiana Boa Sorte e mergulhamos nas pesquisas sobre o tema.  Eu já havia feito reportagens sobre adoção, conhecia algumas pessoas da área e quis aproveitar a oportunidade do formato de série para aprofundar as questões que tratamos de forma mais ligeira no dia a dia. Desde o início nos propusemos a desvendar não só os meandros da burocracia legal, mas a montanha russa de sentimentos vividos por quem busca ou espera pela chance de se tornar mãe, pai e filho de alguém. Com base nos levantamentos e conversas eu e Bruna separamos os temas das reportagens e Fabiana começou a entrar em contato com juízes, abrigos e ongs que trabalham com adoção. Começamos a gravar no dia 26 de janeiro, enfrentamos recesso do judiciário, férias, carnaval, mas durante o mês de fevereiro conseguimos fazer quase todas as gravações na grande São Paulo, em Minas, Rio, Brasília e com uma mãe que veio do Piauí.

NI- Noticiar temas com crianças, ainda mais abrigadas ou em situações vulneráveis, requer muito cuidado. Ao mesmo tempo, o jornalismo pode estimular um pensamento crítico, além de informar sobre o tema. Como achar a medida neste caso? Poderia citar alguns cuidados que tomaram.

GA- Tratar de temas sensíveis assim exige a construção de uma relação de confiança com as fontes. Juízes e responsáveis pelos abrigos, pais, mães, filhos adotivos e, principalmente, crianças e adolescentes candidatos a adoção precisam confiar para abrir portas e corações. Isso exige conversa, muita conversa, e honestidade sobre o que queremos mostrar e contar para o telespectador. Não ter tanta pressa nessa hora ajuda, conversamos muito e longamente. Sou muito grata a quem compartilha suas histórias para que possamos construir nossas reportagens. Tenho experiência e gosto de entrevistar crianças e adolescentes, sou mãe de dois meninos, tudo isso ajuda. Tomamos o cuidado de não revelar a identidade de quem ainda está abrigado ou com processo de adoção ainda não finalizado. Ser respeitoso e delicado com os sentimentos expostos é o mínimo. Nas gravações procuramos privacidade para que cada um ficasse à vontade para falar e explicamos sobre a série, o que queríamos saber e por quê.

NI- Como tem sido a pré-produção e produção de uma reportagem desta magnitude? Poderia citar horas-gravadas, pessoas envolvidas, numero de lugares visitados e especialistas que ajudaram na pauta? Em quantas cidades?

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GA- A Fabiana Boa Sorte conseguiu marcar as entrevistas com os principais especialistas no assunto (como o desembargador Reinaldo Cintra Torres de Carvalho) logo no início e isso nos serviu como guia para o que viria depois. Foram cerca de 30 horas de entrevistas e imagens. Não foi fácil escolher o que era relevante e emblemático de cada situação que queríamos revelar e discutir. Decidimos criar uma página especial para o site, com material extra que incluiu mapas e entrevistas estendidas dos entrevistados. Além de mim, Bruna e Fabiana, a equipe contou com o repórter cinematográfico Fernando Ferro, o assistente Marcos Barcarollo, o editor de imagem Carlos Asciuti e o editor de arte Rodrigo Di Biase.

NI - E como os jornalistas que participaram do tema se mostraram durante a apuração? Sensibilizados pela causa? Algo a declarar? Posso ouvir alguém que tenha tido algum vinculo bacana e se tornado voluntário? 

GA- Ficamos todos muito emocionados, tocados pelo tema, apaixonados pelas crianças... Intermediamos a vontade de ajudar de muitos telespectadores, gente que quer ser voluntário, fazer doações e adotar.

Não perdemos nenhuma chance de encaminhar ideias e pessoas que possam contribuir para fortalecer as crianças que esperam.

NI- Quais os cuidados que se deve ter no jornalismo quando se tem uma câmera na mão e uma criança em situação de vulnerabilidade?

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GA- Respeito ao tempo da criança, às dores dela, aos limites dela. Entrevista com criança deve ser na verdade uma conversa, sem pressa e sem pressão. Tem que se ter a sensibilidade de permitir à criança que se expresse espontaneamente. Nós, os jornalistas, temos que estar preparados para ouvir e receber. Não é possível fazer perguntas diretas e gravar respostas. A expressão da criança, principalmente em situação vulnerável, se dá de várias formas. É preciso estabelecer com ela um ambiente de confiança e respeito. E, em situações de constrangimento ou vulnerabilidade, tomamos um cuidado extra também na exposição da imagem da criança, com recursos visuais para preservar a identidade dela.

 

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