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Reflexões sobre gênero, violência e sociedade

Biel, Johnny Depp e Ke$ha

Por Nana Soares
Atualização:
Em vídeo, Biel pediu desculpas "caso tenha ofendido alguém" ( Foto: Reprodução/Instagram)

Nos últimos 15 dias, dois homens famosos receberam acusações graves: Nos EUA, a atriz Amber Heard, casada com Johnny Depp, entrou com pedido de divórcio alegando ter sido agredida pelo ator. No Brasil, o cantor Biel foi acusado de assediar e ameaçar uma repórter do IG, que registrou um boletim de ocorrência contra ele após entrevista ocorrida em maio. Em ambos os casos, um homem famoso teve seu comportamento machista relativizado.

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No caso do ator norte-americano, circularam diversas matérias tentando livrar a barra de Depp. Alguns dos argumentos utilizados foram: Amber Heard queria sair ganhando no divórcio, Amber Heard é bissexual (e qual o problema??), Amber Heard quer atenção. Isso sem contar os veículos que comemoraram Johnny Depp ficar solteiro de novo. Sim, isso existiu. Apesar de uma acusação de agressão, o tratamento dado a ele ainda é positivo.

Por aqui, o cantor Biel passa por algo parecido. Depois da denúncia, circularam matérias de apoio e que enaltecem qualidades do cantor, além do velho discurso de que Biel só estava brincando, de que o que fez foi algo natural para meninos de sua idade.

A relativização poderia ser justificada pelo fato de serem ambos famosos e cheios de privilégios, mas esse não é o motivo de serem poupados de acusações gravíssimas. Tanto Biel quanto Johnny Depp podem passar por isso sem arranhões a suas imagens simplesmente porque o mundo é machista.

Enquanto tudo isso acontece, a cantora Ke$ha, que também é influente e famosa, está impedida de trabalhar por estar presa contratualmente a Dr Luke, por quem ela diz ter sido abusada. Ke$ha entrou com ação na Justiça norte-americana para se desvencilhar profissionalmente do produtor (vejam bem, não é nem um processo pelo crime em si) e perdeu nas duas primeiras instâncias. Ser famosa não impediu que Ke$ha tivesse sua versão colocada à prova pela opinião pública e que fosse desacreditada pela Justiça. Ser mulher, sim.

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O ponto aqui é que a presunção de inocência só vale para um dos lados. Enquanto há todo um amparo para a versão masculina, especialmente se o envolvido for famoso e influente, a mulher, já fragilizada pela violência, começa com o pressuposto de oportunista ou mentirosa. Até no caso do estupro coletivo no Rio de Janeiro, em que havia evidência em vídeo, encontraram meios de culpar a vítima. Sistematicamente, é sempre a versão delas que é posta à prova, e por isso denunciar violência de gênero continua sendo um ato de coragem em qualquer lugar do mundo.

Um dos entraves ao combate a violências como o assédio sexual é a subnotificação dos casos, mas colocar a culpa desse fenômeno nas mulheres é de extrema covardia. Para nós, não é "só" chegar e denunciar, já que há uma série de fatores que nos desencorajam a tornar qualquer coisa pública. Fatores esses nem sempre percebidos por quem está de fora. Por isso, a mensagem aqui é clara: na dúvida, acredite sempre na vítima. Na esmagadora maioria dos casos, você escolheu o lado certo.

E que seja feita justiça para Amber Heard, para a repórter ameaçada por Biel e para Ke$ha. Para quem tem interesse em discutir como a cultura do estupro e a violência contra a mulher estão presentes no entretenimento, recomendo esta edição do podcast Pop Don't Preach

https://twitter.com/lesbianaff/status/736298698691510272

(Tradução: Mulher: Eu fui abusada:Todos: Preciso de 93 vídeos, 729 fotos e 62 testemunhas para acreditar nisso

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Homem: eu não fiz issoTodos: deve ser verdade)

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