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Cada história é única

O frio e o inverno também ensinam

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Por Priscilla de Paula
Atualização:

foto: Pixabay

 

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A onda de frio se instalou de um jeito no Sul e ao Sudeste do país que eu mesma estou há dias toda encapotada nesta São Paulo gelada. Não dá nem vontade de sair de casa. O coração fica partido e aflito com as pessoas em situação de rua. Mas, apesar desse frio que até mata, pode ser que seu filho, assim como o meu, sinta como se fosse só uma brisa leve da primavera.

 

Aliás, a relação com o inverno é um tema que quase me deixou doida no passado. Nunca vou me esquecer do ano em que isso virou assunto de sessão de análise. (Até nas pequenas coisas, não são poucos os desafios que se impõe quando um filho traz à tona comportamentos, sensações ou sentimentos tão diferentes daqueles com os quais você já tinha aprendido a lidar).

 

Bom, voltando à sessão, lá estou, oito anos atrás, inconformada que nem a roupa de frio o menino - na época com dois anos e meio - aceitava por. Pior: ele saia do quarto depois de passar a noite toda com o aquecedor ligado e queria colocar regata! Re-ga-ta. Já pensou?

 

Não bastasse o frio que eu sinto, o inverno sempre trazia conflitos, que costumavam começar assim.

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- Filho, tá gelado. Põe uma roupa!

- Mas eu não estou com frio.

- Mas está frio!

- Mas eu não estou sentindo.

- Bom, mas vai ter de colocar um casaco de qualquer jeito, porque senão vai ficar doente!

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Exausta dessa luta, já que nem toda criança "obedece", tive uma ideia que considerei brilhante, claro. Decidi esconder todas as roupas de verão, principalmente as regatas. Lembro de duas fofas, trazidas da Bahia e de Porto de Galinhas, onde esse frio não chega. Botei tudo no fundo do armário, junto com algumas bermudas. "Agora está resolvido", pensei. Até ver que o plano não deu certo.

 

-Ele não aceita. Só quer vestir o que quer. Pior: me disse que sabe que eu escondi as roupas!, contei na análise.

(Aquilo realmente me ocupava, porque eu me sentia desafiada, como se meu filho sentisse frio, mas estivesse disputando poder comigo.)

 

Morri de vergonha, quando ao ouvir meu relato que, pra mim, punha em cheque a minha autoridade, minha psicanalista disse algo do tipo:

-Mas você escondeu as roupas? Então, você montou a casinha.

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(Ou seja, deixei tudo preparado para o confronto que viria, já que, sem perceber, eu me coloquei numa disputa de forças e de poder).

-Mas ele vai ficar doente, vai sentir frio!

(Mãe alérgica, que teve bronquite na infância e não pode até hoje andar de cabelo e pé molhados custa a entender como alguém pode fazer tudo ao contrário e ficar esbanjando saúde).

-Mas você não acha que ele pediria uma blusa se estivesse com frio?

A provocação transformou os meus dias, pra sempre. Não só no inverno, mas também em muitos outros conflitos em que eu achava que o meu jeito de enxergar ou de agir eram sempre os corretos. (Já percebeu que autoridade tem dificuldade em reconhecer que nem sempre está certa?)

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A partir dali, passei a entender que, ao deixar de disputar com ele, eu poderia mudar a forma de conduzir aquela e outras questões. Sem disputa, a gente abre espaço para transformar as relações. No caso do inverno, abri caminho para ele pedir agasalho se sentisse frio. Até hoje, o sortudo quase não sente.

 

É claro que ninguém vai deixar uma criança sair sem se agasalhar nem um pouquinho no frio intenso, mas uma coisa é certa: o frio que as crianças sentem não é igual ao que sentimos. Ainda bem! Essa lição sobre as nossas diferenças e sobre a nossa individualidade serve para uma série de coisas na vida. Quando a gente entende e aceita, é libertador.

 

Depois de aprender muito com essas antigas aflições e fazer do inverno uma estação menos pesada, passei a ouvir do meu pai uma piada que ele sempre conta e que, agora, eu reconto. Assim: duas crianças estavam juntas brincando e conversando. Aí, uma pergunta pra outra:

- O que é frio?

E o outro responde:

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-Frio é aquilo que a mãe da gente sente quando põe roupa na gente.

 

Tá bom pra você?

Bom inverno, gente! Ah, não se esqueça de levar, pelo menos, uma blusinha. Porque tá um frio danado! E não deixe o seu coração congelar com o que tem de muito triste por aí.

 

*Vem pro @maesemreceita no Instagram! Vem, gente.

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