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Cada história é única

Histórias do nosso isolamento com coronavírus

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Por Priscilla de Paula
Atualização:

foto: Pixabay

 

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Há dias tenho pensado em como vamos nos lembrar de tudo isso, dos aprendizados e de como esse tempo vai entrar para os livros. Afinal, a pandemia transformou esta época num desafio para todo mundo - muito mais duro pra uns, claro - mas aqui em casa, teremos muitos motivos marcantes. 

 

A quarentena se transformou em isolamento total da família, depois que começamos a ter sintomas do novo coronavírus. Meu teste confirmou os 90% de chance no diagnóstico fechado pela minha pneumologista, dias antes. E, como esse vírus é altamente transmissível, todo mundo aqui em casa pegou.

 

Temos muitas preocupações comuns a milhares de brasileiros e outras típicas de famílias que, apesar dos pesares, têm condições de manter um bom padrão de vida na pandemia: cuidar da casa; da alimentação, da limpeza - só razoável, porque não dá para ser tudo e ainda faxineira eficiente; cuidar da louça que, como diz uma amiga, brota na pia; das atividades da escola que, sinceramente, desde o início ando sem condições de acompanhar como previsto e ainda temos que cuidar ainda mais da nossa saúde. 

 

As crianças só tiveram sintomas leves, graças a Deus. Não passou de espirros com nariz escorrendo na caçula de 7 anos e de espirros e uma queixa de dor de garganta, no de 11. Tranquilo pra alma dos pais que continuam na contagem regressiva e em orações para não cair nas tristes estatísticas de casos que se complicam a cada dia no Brasil e em outros países. 

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Sem poder contar com a ajuda presencial de tios ou avós, que moram em outros estados, já me vi várias vezes agradecendo porque se as crianças tivessem ficado com o quadro do pai, teríamos voado para o hospital. Quem suporta ficar em casa com um filho se queixando de calafrios, dor no corpo, febre persistente, cansaço sem esforço, ouvidos tapados e náusea, ao longo de dias? 

 

Nada fácil. E tem sido também um exercício coletivo de recolhimento, de resistência e tolerância constante. Física, mental e espiritual. Aqui, se tiro as crianças da frente da tela, inventam arte, brincam e brigam também. Neste exato momento, brincam. Pode ser que em dois minutos dê alguma confusão. Ixi, já começou uma gritaria por ali... 

 

Eu e meu marido deveríamos estar como? Só deitados, na paz. Mas tem sido impossível. Ele só tem levantado quando insiste em cozinhar, habilidoso que é nisso. Eu, que tive um quadro mais leve, ainda tenho feito bastante coisa e ainda coordeno as atividades que passei a distribuir para as crianças. Outro dia, na sessão de análise online, entendi que o melhor é dar a função. Uma hora, quando entenderem a necessidade de participar ativamente, poderão escolher se querem aspirar, passar a evolução do pano de chão, que já chamam de esfregão, lavar louça ou qualquer outra coisa. 

 

Eu acho lindo vê-los em ação. Está aí uma coisa que nós brasileiros estamos aprendendo na marra a ensinar. Mas, se você ainda não experimentou essa divisão de tarefas na sua casa, não se engane. Pode ser uma loucura também. "Filha do céu, pelo amor de Deus, não puxa o aspirador assim!". "Filho, não pode arrastar o balde, arranha o piso todo!". E por aí vai...

 

Tem horas que, dependendo da dificuldade ou da má vontade ou chateação na minha cabeça, penso: "Vou deixar o circo pegar fogo!" Afinal, as coisas não se desenrolam como deveriam. Aquele ideal participativo, de colaboração ou de facilidade necessária não existe. 

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Ah, também já caiu por terra o ideal de leitura ou de ver filmes e séries incríveis. Com filhos, é irrealizável. A ansiedade e o desgaste só não estão sendo compensados com a fuça nos doces porque fiz um jejum de fé quando começaram as medidas restritivas e eu continuei precisando sair para trabalhar na linha de frente. Aí, oscilo entre momentos de equilíbrio e de muito estresse, cansaço e gritos que escapam diante de conflitos ou confusão. Sei que é melhor quando verbalizo. Ontem mesmo eu estava exausta dizendo coisas do tipo: "Não estou com paciência! Espero que você entenda!" 

 

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Se tem uma coisa que eu já aprendi com muita análise na vida é que falar de sentimentos alivia. E até cura. Também tenho respirado fundo, como nunca antes. Tanto nos exercícios de fisioterapia contra o coronavírus e pra recuperar o equilíbrio. Aconteceu há pouco, mais uma vez, depois de tentar dar continuidade a esse registro começado umas quatro horas atrás. Diga aí, não dá para fazer absolutamente nada direito, porque é um para e retoma sem fim. 

 

"Filho, vem cá! Senta no colo da mamãe. Amor, você precisa entender a importância de participar das atividades da casa nesse momento único. Ser uma pessoa de paz, ponderada, que colabora sem causar transtorno. Nós vamos ficar muito tempo sem ajuda e a mamãe e o papai, principalmente, precisam se cuidar! Você entende?"

Ouviu atento, mais uma vez. Tô que repito.

 

Quando vejo que, apesar de tudo, somos capazes de ter esse tipo de diálogo e quando tenho a certeza de que eles estão vendo Deus agir ao preservar a nossa saúde, tenho certeza de que eles terão muitas memórias e estão aprendendo muito, mesmo fora da escola e sem fazer todas as tarefas. Já me perdoei. Talvez, o mais valioso para cada um de nós em diferentes cantos do mundo, no presente e no futuro, seja ser capaz de enfrentar esse período com sabedoria, muita fé e poder contar como foi viver e enfrentar essa pandemia tão ameaçadora. 

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*Vem pro @prisemreceita, no Instagram. Vem, gente!

 

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