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Comportamento, saúde e obesidade

Opinião|Vamos conversar sobre a morte?

É preciso abrir espaço para conversar sobre finitude da vida em família

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Foto do author Luciana  Kotaka
Atualização:
 Foto: Estadão

Dias atrás eu estava sentada pensando no que ia escrever, e aí do nada me veio a lembrança de uma paciente terminal que fui atender em sua residência, a mulher beirando seus quarenta anos estava deitada em uma cama no seu quarto quando cheguei. Pedi licença, me sentei, disse quem era e que eu estava ali para ouvi-la e ajudá-la a entender o que estava sentindo. Ela começou a chorar e me falar sobre o câncer, as filhas angustiadas me pediram para eu sair. Mesmo eu tendo explicado a importância da mãe ter um momento para expressar o que estava sentindo, do papel da terapia naquele contexto, as filhas não conseguiram aguentar o choro da mãe. Quem já passou por uma situação semelhante sabe do que estou falando, do quanto dói saber que uma pessoa querida irá partir, e que falar sobre o assunto morte é umas das situações mais difíceis de enfrentar.

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No último mês eu devorei os três livros da médica e escritora Ana Claudia Quintana Arantes, ela trabalha com cuidados paliativos e aborda a morte com tanta amorosidade e coragem, o que me impactou profundamente. Com certeza mesmo não pensando sobre a morte no momento que me lembrei da paciente com câncer, acredito que os temas abordados nos livros estão fervilhando no meu inconsciente. Vivemos tempos em que o tema morte tem se feito muito presente mexendo com aspectos que normalmente evitamos a qualquer custo.

Porém, em algum momento a morte irá bater em nossa porta, às vezes seremos pegos de surpresa, mas muitas vezes viveremos longos processos. Voltando à paciente que atendi, ela ficou impossibilitada de falar do que sentia, pois os familiares entraram em um mecanismo de negação, como se o não falar fosse um antídoto de cura. Também evitam falar sobre o que está prestes a acontecer em uma tentativa de amenizar a dor da pessoa acamada, mas na verdade estão tentando aliar as próprias dores. Não é fácil encarar a finitude, ela irá chegar para todos nós, mas como nossa cultura não abre muito espaço para trabalhar esse tema, vamos seguindo a vida fingindo que nada irá acontecer.

Quando eu perdi uma das minhas gatinhas para a leucemia felina, lembro que poucas pessoas falavam comigo sobre a doença dela, cheguei a ouvir um já deu né Lu. A dificuldade do outro em ouvir e acolher a nossa dor é muito grande, existem momentos em que só de estarmos perto ou abrirmos espaço para ouvir a dor do outro já fazemos um bem imenso. Até o momento não perdi ninguém da minha família, mas perdi vários gatinhos, todas as perdas foram muito sofridas, mas a última delas foi a mais devastadora, pois eu estive presente o tempo todo, olhando em seus olhinhos e sentindo a morte chegando.

Realmente são poucas as pessoas que lidam com o desfecho da vida com tranquilidade, sabemos o quanto a morte é um processo certo e natural, mas ainda assim passamos a vida tentando fugir dela. Utilizamos diversos mecanismos de defesa para não pensar sobre ela, mas seria muito mais fácil e menos dolorido caso aprendêssemos desde muito cedo a lidar com naturalidade. Falar sobre o que está acontecendo é muito curativo, é importante permitir que a pessoa que está fechando um ciclo possa chorar e expressar os seus medos, e esse facilitar é um processo de muito amor e cuidado com quem amamos. Quando conseguirmos dar esse espaço ajudamos muito mais do que imaginamos, pois falar e chorar promove alívio e permite atendermos os últimos desejos de quem está partindo, abrindo espaço para reparação de questões em aberto, para que a pessoa que amamos possa realmente partir em paz.

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Opinião por Luciana Kotaka
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