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Comportamento, saúde e obesidade

Opinião|Um estranho no ninho

Nem sempre quem amamos pode nos dar o que esperamos como filhos

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Foto do author Luciana  Kotaka
Atualização:
 Foto: Estadão

Começamos a vida dentro de uma estrutura ou desestrutura familiar, seja ela qual for, é nesse ambiente que vamos introjetando valores, aprendendo a nos defender da vida ou como lidar com as dificuldades, e, aos poucos, vamos nos moldando e seguindo esse modelo básico familiar que é oferecido.

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Alguns, com a sorte de nascerem em famílias mais estruturadas emocionalmente, vão crescendo e pisando em um chão mais firme, com segurança para explorar o mundo afora, tendo o apoio incondicional da família, seja no sentido de empurrar para a vida ou mesmo para alertar.

Nem sempre essa sorte brilha para todos, posso arriscar que a grande parte das famílias tem uma carga muito pesada. Vão herdando durante gerações muita violência, agressividade, falta de colo e segurança. Apesar de ter um ninho para dormir, falta o calor, o aconchego e o respeito à individualidade.

Dessa forma essas crianças são criadas sob uma constante cobrança, não faltam dedos para apontar falhas, dificuldades, algumas das quais os próprios pais nem conseguem se resolver também, mas apontam para os filhos como se esses sim fossem incapazes de serem melhor.

A desqualificação é uma das maiores violências que podemos sofrer, não somos ouvidos, nem acolhidos em nossas dores, e sim somos rotulados como se tivéssemos um problema por não nos adaptarmos a esse ambiente.

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Passa o tempo e crescemos cada um de uma forma. Sempre brinco com os pacientes que somos como um muro de tijolos, durante o crescimento faltou um pouco de cimento aqui, ficou um buraco ali, porém em muitos casos esses buracos são grandes ou muitos, assim deixando uma sensação de vazio, de deslocamento, o famoso estranho no ninho.

Quando de alguma forma sentimos a urgência em mudar, em buscar tratamentos, ou até mesmo atividades que possam nos preencher, ressignificar experiências dolorosas, a família se sente agredida.

Ser diferente em um ambiente marcado pela dor e pela destruição emocional pode ser muito doloroso, ter a percepção de que se está em uma família adoecida e querer construir uma vida mais saudável implica muitas vezes em romper com crenças muito enraizadas, desestruturando o todo.

De alguma forma essas famílias instalam a culpa no outro, como se este fosse responsável pelas suas dores, dificuldades e experiências. Muitas pessoas não percebem que ao construir a sua nova família é possível fazer diferente, usando os referenciais anteriores como experiência a não ser reproduzida, criando assim um novo modelo mais adaptado, seguro e estável.

Muitas vezes ser feliz depende muito de romper com essas referências, às vezes até se distanciando como forma de proteção. Tudo isso parece muito fácil, mas claro que não é. Somos engolidos e desencorajados na nova trajetória, sofremos porque estamos divididos entre o que conhecemos e o que queremos. O novo pode assustar e nem sempre teremos forças para permanecermos fortes nessa caminhada, pois não faltarão ações coibitivas dos familiares minando nosso senso de sobrevivência.

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Crescer, amadurecer e se diferenciar é um movimento doloroso, mas necessário quando buscamos nosso bem-estar físico e emocional. As nossas dores emocionais se instalam no corpo, como dores de cabeça, fibromialgias, problemas estomacais, entre os mais variados sintomas.

Porém, a saída é a libertação. Esse momento é muito delicado, pois somente a ausência da presença dos que nos contaminam pode não trazer o alívio, é preciso dar um novo significado a essas experiências que foram vividas, abrindo um novo olhar, dando um novo sentido. Com isso, devemos conviver da forma mais harmoniosa possível, para assim não abrir mão de quem amamos.

Opinião por Luciana Kotaka
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