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Comportamento Adolescente e Educação

Você sabe quem vos fala?

Foto do author Carolina  Delboni
Por Carolina Delboni
Atualização:

Prazer, eu sou a Carolina que escreve por aqui toda segunda-feira. Hoje é meu aniversário e amanhã vou lançar um livro. Sei que esta não é a pauta da coluna, mas foram 44 textos escritos a este jornal dedicados à educação, infância e adolescência. Hoje é meu aniversário e amanhã vou lançar um livro e resolvi contar outras coisas a vocês.

Lugar de fazer morada, publicado pela editora MapaLab Foto: Estadão

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Resolvi me apresentar, afinal são quase 350mil leitores por mês e pouco conhecemos um do outro. Não sei você, mas sempre tenho curiosidade em saber quem está do lado de lá. Quem escolhe ler minha coluna, por que escolhe e o que pensa. Sim, eu me interesso pelo leitor. Vira e mexe vou procurar uma foto, informação sobre um nome. Gosto de saber quem são as pessoas. Sim, os 350 mil leitores são pessoas.

Eu aqui também sou e para além da minibiografia que fica aí ao lado contando minhas formalidades, existe outra Carolina que vos escreve. Há pouco, precisei me apresentar de forma "criativa" numa disciplina que cursei durante este último semestre na faculdade de pedagogia - sim, estou terminando uma segunda graduação e ela é em educação

Tínhamos algumas matérias eletivas para escolher e entre as opções me inscrevi em Oralidade Afro-brasileira e Indígena. Logo numa das primeiras aulas, precisávamos nos apresentar. Não podia ser algo formal e tínhamos que fazer uso da fala. Não podia ser escrito e nem gravado.

Eu queria não apenas contar quem eu era, mas queria também trazer algo que carrego comigo desde pequena. Fiquei dias pensando. Tinha que ser algo pequeno.

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Pequeno. Lembrei que quando era pequena, minha tia tinha o costume de me olhar e cantarolar a música Carolina, do Chico Buarque. Sou capaz de escutar o som da sua voz quando lembro da letra, mas nunca me reconheci nela. Achava triste, melancólica.

Um outro tio me olhava e cantarolava As pernas da Carolina... talvez porque minha mãe, quando jovem, tinha as pernas mais bonitas da escola. Diz que foram "eleitas". As minhas são fortes e tenho canela grossa. Nunca usei sandália com amarração e tá aí uma tristeza-fútil.

Foi rememorando essas canções e outras em que Carolina dava o tom da melodia que resolvi me apresentar por seus versos. Mas agora sob minha versão. E lá vai ela:

Carolina não tem a perna fina Nem os olhos fundos de tanta dor Carolina é mulher maravilha Trabalha, estuda, cuida, cria e educa E não caduca

Ô, Carolina, eu preciso te falar De segunda a segunda Tem um brilho no olhar E jeito doce de escrever

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Eu bem que avisei Mil versos não cantei De tudo que lhe dei A palavra eu encantei

Olha aí meu amigo, eu digo No domingo o que você quer fazer? Carolina eu preciso te encontrar

Pra rosa não morrer O mundo não acabar O barco não partir

Carolina é uma menina Maravilha feminina

você sabe quem vos fala?  Foto: Estadão

Tá aí, esta sou eu, parte de quem vos escreve toda segunda-feira. Gosto de escrever, gosto da palavra no papel, seja em verso, seja em notícia. Escrevo desde sempre. Desde quando entendi que podia deixar escrito meus maiores segredos nas páginas do diário.

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Fui a adolescente que escreveu diários e guardou tudo bem guardado pra ninguém ver. Depois troquei o objeto por pequenos caderninhos que levava pra tudo quanto é canto. Gostava de anotar coisas que observava, que me chamavam atenção e despertavam perguntas. Sim, sempre gostei das perguntas.

Perguntas sobre coisas da vida, coisas que eu observava e perguntas aparentemente silenciosas. E quando me dei conta desta curiosidade, decidi que cursaria jornalismo na faculdade. Cá estou anos e anos depois, fazendo da minha escrita algo que possa ser maior que uma notícia. Porque eu quero que essa escrita não morra na semana seguinte a sua publicação.

Quero que ela ecoe dentro das pessoas que me leem e que faça sentido para além da informação. Escolhi fazer da escrita um lugar de construção de conhecimento, de educação e troca social. É pela palavra no papel que eu gosto de bater papo, de conversar.

E foi durante a pandemia que comecei a estabelecer novas conversas. Dessa vez comigo mesma. Aproveitei o silêncio e a solitude profunda para escrever. Era eu e eu mesma e comecei a parir Carolinas. Um tempo que, de certa forma, me foi gentil e delicado.

Aos poucos, fui ganhando intimidade com esse novo espaço e como escrever sempre me foi lugar de abrigo, comecei a escrever mais do que já o fazia. Comecei a escrever cartas. Cartas às amigas, às minhas avós. Cartas como lugar de diálogo, de conversa e que eu publicava no Instagram.

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Num desses momentos, uma amiga leu uma delas e perguntou se podia responder "porque tenho vivido coisas muito parecidas por aqui". 17 de junho de 2020, momento em que o número de mortes pela pandemia batia a casa dos 59 mil, começava entre mim e a Juliana (Pinheiro Mota), uma troca de correspondências.

Criamos um modo peculiar de trocar mensagens de otimismo, mesmo que na marra, que refletissem sobre o passado, presente e futuro ao longo dos impactos do isolamento da pandemia da COVID-19, em uma São Paulo que havia se transformado em silêncio. Um silêncio povoado de essência e expectativas acolhido pelo pensamento.

Foram 22 correspondências trocadas que agora ganham edição impressa com algumas cartas inéditas e outras publicadas na íntegra, além de uma "conversa" das cartas com a contemporaneidade e outra com a literatura e a história - tanto com letra minúscula quanto maiúscula, aquela que a gente aprende em sala de aula.

Quem é que não lembra da Carta de Carlos Magno, na escola? Quantos de nós não aprendemos - ou conhecemos - sobre a história do Brasil através de cartas? Quantos museus não guardam cartas de reis, imperadores, rainhas?

Cartas foram a primeira forma de registro da História. Elas contam sobre uma época, um tempo e sobre as pessoas que vivem nele. Cartas contam sobre a gente e tem um pedacinho de nós neste livro que lançamos amanhã, Lugar de fazer morada.

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Em tempo de isolamento social, procurar alternativas para fazer morada, para além das paredes de casa, nos foi oxigênio. Palavra sempre me foi oxigênio. Escrita sempre me foi oxigênio.

Prazer, eu sou a Carolina. Sou eu quem vos fala. Hoje faço 47 anos e amanhã lanço Lugar de fazer morava, em co-autoria com minha amiga Juliana Pinheiro Mota.

Um livro gestado pelos muitos sentimentos que vivemos na pandemia. Pelas ausências, perdas, silêncios e também pela possibilidade de viver o tempo de maneira tão delicada. Sim, o tempo me foi delicado e só tenho a agradecer.

Tem coisa boa acontecendo em 2021.

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