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Comportamento Adolescente e Educação

Tenho dó do mundo

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Por Carolina Delboni
Atualização:

O título acima é uma frase de uma criança pequena. Ela viu um lixo jogado no chão e disse à mãe que tinha muita dó do mundo. Sim. Lixo no chão. Que dó do mundo! Ele está sujo, está sendo malcuidado, maltratado. E não temos mais olhos pra isso. Nos acostumamos. As crianças não. Ainda têm os olhinhos puros e corretos. Porque a gente cresce e começa a aceitar o incorreto como parte do cotidiano. Passamos pelos lixos na rua com tanta naturalidade que não nos damos mais conta do quanto estamos imersos nele. Ou vivendo com ele. Nos acostumamos. Ainda bem que temos pequenos olhares que nos alertam da cegueira. Eu tenho dó da gente. Tenho dó do mundo.

 

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O budista Sri Prem Baba diz que somente quando dermos ao mundo os talentos que trouxemos conosco é que teremos cumprido nosso propósito na Terra. E eu pergunto: que propósito é esse? Ou onde estão nossos talentos? Acho que é a gratidão, que as pessoas usam de forma tão equivocada. Gratidão não é apenas ser grato a alguém, mas sim poder devolver ao outro aquilo que você pode receber.

 

A WGSN, uma empresa global de estudos de comportamento e tendências, soltou recentemente um estudo sobre macrotendências para 2018. Uma delas fala da natureza como força maior de existência. E que somos nós que iremos sumir um dia, não ela. Afinal a natureza existe há mais de 4,5 bilhões de anos. 22.500 vezes mais tempo do que nós, seres humanos. A tendência traz uma inversão de papéis e diz que não é a natureza que precisa de nós, e sim nós que precisamos dela. São as redefinições do nosso futuro. "Quando eu prospero, você prospera. Quando eu caio, você cai. Meus oceanos, meus solos, meus riachos, minhas florestas. Todos eles podem levá-los ou deixá-los. Como você opta por viver cada dia, se você me considera ou me ignora, não importa para mim. De um jeito ou de outro, suas ações irão determinar o seu destino, não o meu." Essa é a voz da natureza, da sua grandeza. A vida terrena precisa permear de natureza. Porque somos nós que precisamos dela para sobreviver. Da sua água, do seu fruto, da sua sombra, da sua terra, da sua carne.

 

O cientista brasileiro Fernando Reinach, que foi colunista do Estadão por muito tempo, tem um livro publicado chamado A Longa Marcha dos Grilos Canibais, em que reúne textos escritos entre 2004 e 2009 no jornal. Neles ele desenvolve a teoria de que não é a natureza que vai acabar, mas sim a raça humana. Ele mostra, cientificamente, como é natural o ciclo do fim de algumas espécies na vida terrena. Mostra como várias espécies surgiram e outras desapareceram e que esse é um fenômeno normal da natureza. Portanto, nosso dia tem fim. Nossa raça tem fim. Um livro que vale a leitura (eu devorei), porque te tira do lugar confortável e poderoso do homem como salvador do mundo. Não somos.

 

Mas, enquanto a criança tem dó do mundo, o mundo continua sem dó da natureza. Mata onça-pintada, animal em extinção. Quantos casos recentes não temos visto na imprensa de pessoas e crianças atacadas por animais selvagens em cativeiro? Tudo errado. As pessoas nos lugares errados e os animais nos lugares errados. Nenhum animal deveria estar trancafiado num zoológico ou numa vitrine. A não ser por razões de resgate, quando o animal não consegue mais sobreviver em seu habitat natural.

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Organizações mundiais, façam uma campanha pelo fim desses lugares. Experimentem colocar um monte de seres humanos enjaulados na selva e soltem os animais pra vê-los. A cena vai ser bizarra. É isso que pagamos pra ver e achamos bonitinho. "Olha o leão, filho! ". Está tudo errado. Tudo invertido. Mundo de Alice, que fica de cabeça para baixo.

Que o mundo continue povoado de crianças que se chocam e se sentem com o lixo que deixam na rua. Porque não é normal achar normal a rua suja. Porque não é normal achar normal trazer uma onça-pintada para participar de um evento de humanos. Porque não é normal achar normal que somos invencíveis. Nem os super-heróis são. Tenho dó da gente.

 

 

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