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Comportamento Adolescente e Educação

Diagnóstico de TDAH nas escolas é controverso

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Por Carolina Delboni
Atualização:

Além da tendência de algumas escolas de diagnosticarem alunos com TDAH de maneira controversa, existe um agravante: as manifestações de COVID-19 longa se confundem com os sintomas de déficit de atenção e hiperatividade

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Toda sala de aula, de toda escola, tem um aluno que é mais disperso, agitado, não consegue ficar muito tempo numa mesma atividade, o que dirá sentado quieto na cadeira. Às vezes, fica com o olhar lá na Lua, mexe em coisas que nada tem com a aula, atrapalha e por aí vai. Esta criança ou adolescente acaba ficando conhecido, tanto pela professora quanto pela orientadora, como "aluno-problema".

Mas, o problema mesmo é que os comportamentos apontados acima são semelhantes ao de quem recebe o diagnosticados de TDAH, o que torna o processo de identificação do transtorno algo extremamente difícil e facilmente confundido por quem não tem especialidade na área.

Nas escolas tradicionais, onde desde pequeno é exigido um nível de concentração do aluno maior do que ele normalmente é capaz de ter, os que "dão trabalho" - vou chamá-los assim - acabam recebendo diagnósticos controversos de TDAH, o que faz com que a família toda se mobilize atrás de tratamentos, fisioterapias e aulas de reforço para manter o filho com a vaga sob controle.

 Foto: Estadão

Estigmatizar o aluno que não se enquadra - e aqui entenda o "enquadrar" no sentido de colocar numa forma - com um transtorno é altamente perigoso para uma instituição que se propõe a educar. Sem falar que medicar uma criança ou adolescente não é garantia de "bom comportamento", muito menos de aprendizado. O aluno com miopia, por exemplo, que passa a enxergar não imediatamente - ou necessariamente - passa a aprender. É preciso de trabalho e esforço da escola, além de uma mudança de formato de ensino para que a aprendizagem aconteça, de fato.

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Estamos cada vez mais cedo, exigindo que crianças fiquem sentadas e quietas prestando atenção em adultos falar. Pedindo que elas contenham os movimentos do corpo em nome da disciplina e do aprendizado. E como é praticamente impossível uma criança quieta por longas 4h de período escolar, cada vez mais cedo, elas têm sido submetidas a tratamentos psicológicos.

Paralela a esta questão, há ainda as escolas, em sua maioria pública, que nem conseguem fazer o diagnóstico por falta de profissionais especializados nos ambientes. Segundo a Universidade de Cambridge , que há 10 anos acompanha 2,5mil crianças e adolescentes brasileiras, 90% dos casos que deveriam receber diagnóstico de TDAH nas escolas públicas não o recebem e ainda existe o problema do subtratamento de quem o recebe. Oito em cada dez não passam por tratamento adequado.

Não bastasse o cenário já complexo, a pandemia deixou outro legado às escolas. As manifestações de COVID-19 longa se confundem com comportamentos sintomáticos do déficit de atenção e hiperatividade. Um cenário bem complexo para as escolas e educadores. Entre a subnotificação das públicas e a hipernotificação das escolas de formato tradicional, a complexidade da COVID-19 longa acarreta encaminhamentos incorretos de tratamento.

A presidente do Departamento de Neurodesenvolvimento da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), Liubiana Arantes, salienta como primeiro passo a necessidade de diferenciar o diagnóstico de TDAH daqueles que tem uma rotina muito irregular - como ir dormir muito tarde; tempo excessivo frente às telas; não praticar atividades físicas regulares; e não ter contato com a natureza - que podem resultar em desatenção e dificuldades na aprendizagem.

Arantes reforça que o TDA ou TDAH é um transtorno de desenvolvimento e o diagnóstico é clínico e realizado por especialista após uma série de investigações por questionários, exame físico e complementares para se afastar diagnósticos diferenciais."E agora ainda temos os quadros de Covid longa, onde crianças e adolescentes podem persistir com fadiga, distúrbios do sono, o chamado brain fog, dificuldade de memória e de atenção, isso pode simular o transtorno de déficit de atenção", reforça.

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A forma como o Sars-CoV-2 atua no sistema nervoso e as sequelas cognitivas ainda é um desafio para cientistas ao redor do mundo. No entanto, pesquisadores do Instituto Santos Dumont (ISD) se debruçaram sobre o tema a fim de tentar contribuir nos avanços científicos na área. Um primeiro resultado está no artigo "Sequelas cognitivas da COVID-19 e sua possível relação com problemas educacionais: uma revisão sistemática", publicado nos canais do III Latin American Workshop on Computational Neuroscience, 2022.

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Conforme a mestranda em Neuroengenharia do Instituto Santos Dumont e uma das autoras do artigo, Drielle Viana, há um crescente número de relatos de déficits cognitivos e de memória após a infecção pelo vírus, o pode trazer impactos em dois diferentes âmbitos na educação: no aprendizado de estudantes e na propagação do conhecimento pelos professores.

Segundo Viana, mecanismos de memória podem ser afetados pela COVID-19. "Levantamos uma questão que diz respeito ao cuidado extra que será necessário em diagnósticos como TDAH ou autismo, por exemplo, que podem ser confundidos com sequelas do vírus".

No consultório da presidente do Departamento de Neurodesenvolvimento da SBP, os casos têm se tornado cada vez mais frequentes. "Se as condições não forem adequadamente identificadas e cuidadas, o prejuízo para as crianças e adolescentes será grande", alerta a neuropediatra Liubiana Arantes.

Para Rodrigo Bressan, psiquiatra e presidente do Instituto Ame Sua Mente, por conta das dimensões continentais do país, a forma mais eficaz de avançar para identificar o TDAH de maneira mais eficaz, é empoderar os professores. Para ele, os educadores são os melhores especialistas em crianças e adolescentes uma vez que passam muito tempo com eles e os enxergam de forma segmentada.

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"A mudança de comportamento e performance são os melhores marcadores para acionar o alerta", fala. "É necessário abrir o olho para casos de mudança de comportamento, um aluno que perde rendimento, que tinha muitos amigos e se isolou, por exemplo. Os professores precisam examinar alunos 'desviantes', que causam mais problemas e avaliar a possibilidade de ter um transtorno mental ou não", reforça.

Celso Lopes de Souza, psiquiatra e fundador do Programa Semente, aponta que a escola precisa entender que 'foco' é uma competência passível de ser aprendida, isto é, os alunos têm que ser ensinados a se manterem atentos - o que não significa sentados, calados e imóveis.

"Ao contrário do que muitos acreditam, foco não é a capacidade de se manter 100% concentrado em uma tarefa, mas sim a de perceber quando se distraiu e retomar o que estava fazendo", conta. Para ele, é com a prática que a atividade se torna automática, por tanto, aprendida.

Há 13 anos, a psicóloga Natália Harger atua com educação em escolas internacionais e bilíngues em São Paulo. Hoje, como co-coordenadora do time Whole Child Development, núcleo de orientação educacional e inclusão da Camino School, diz que o diagnóstico de TDAH é controverso e nas escolas é visto como um grande problema.

Para a profissional, a situação é ainda mais tortuosa quando um caso é identificado e precisa de intervenção. "É muito difícil porque todo mundo já carrega, tanto os profissionais quanto as famílias, uma série de preconcepções que nem sempre são baseadas em fato, em conhecimento", lamenta.

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Harger reforça a importância do psicodiagnóstico e da presença de um neuropsicólogo no processo. A psicóloga frisa ainda a necessidade de atenção e de um trabalho conjunto dos especialistas na hora de finalizar o laudo do aluno para não confundir com outros transtornos ou mesmo um não-transtorno.

"Precisamos ficar atentos porque mesmo com TDAH muitas não manifestavam sintomas ao ponto de interferir no processo de aprendizagem, porém temos algo que se exacerbou durante a pandemia e precisa ser olhado", acrescenta ao chamar pais e responsáveis para um trabalho conjunto, uma vez que estes também foram impactados emocionalmente durante o isolamento social.

É o que também acredita Juliana Góis, orientadora educacional de apoio à aprendizagem do Colégio Rio Branco. "O envolvimento da família é um aspecto importante para os alunos, principalmente para os que apresentam alguma necessidade específica. Acreditamos na parceria entre as duas esferas da vida do estudante, com diálogo, respeito e colaboração", reforça.

Góis destaca que, apesar das inúmeras leis que amparam alunos com necessidades educativas especiais, a legislação é apenas um passo. "Ela não garante uma nova forma de pensar o ensino levando-se em conta a heterogeneidade. A inclusão escolar pressupõe uma política de formação continuada ao docente".

Os desafios são múltiplos e inúmeros e, certamente, exige da relação escola-família confiança e parceria. O aluno, criança ou adolescente, nunca pode ser um transtorno para a escola ao ponto de levantar possibilidades de um diagnóstico controverso para que seja encaminhado a tratamento e medicado.

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Os casos de diagnóstico correto também não podem ser esquecidos dentro do ambiente escolar uma vez que estão em tratamento e recebendo medicação adequada. A escola precisa repensar suas práticas e formatos de ensino-aprendizagem para incluir e contemplar este aluno.

E as famílias precisam avaliar se a escola escolhida para o filho tem o perfil da criança ou do adolescente, portanto atende às necessidades cognitivas e emocionais dele, ou se atendem ao desejo dos pais. Ir contra o que uma criança ou adolescente traz e tem de potencial não só dificulta o aprendizado como, muitas vezes, coloca este sujeito numa postura desafiadora dentro da escola podendo acarretar o que chamam de mal comportamento.

O que estou querendo dizer é, muitas vezes, não existe um problema de transtorno com o filho, ele só está no lugar errado. A boa escola para os pais nem sempre é a melhor escola para o filho. Paralelo a todas estas ponderações, pensemos: por que, cada vez mais cedo, crianças estão sendo diagnosticadas com doenças psico-emocionais? A se pensar.

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