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Transtornos mentais e suas diferenças entre homens e mulheres

Opinião|Estresse de fim de ano

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Foto do author Dr. Joel Rennó
Atualização:

Nesta época do ano, além de compras frenéticas, compromissos sociais e organização de festas, tem muita gente com a atenção voltada para as tão sonhadas férias do trabalho, vistas como um bálsamo para aliviar a carga de uma rotina cheia de compromissos e correria ao longo do ano. As queixas de estresse elevam-se, as pessoas se sentem exauridas e até ansiosas pelos inúmeros estímulos. Impressionante como alguns de meus pacientes me relatam uma espécie de medo ou insegurança sobre o que fazer durante as férias e ficam receosos sobre o retorno, entram em pânico ao imaginar que podem até perder o emprego após o merecido descanso. Algumas pessoas, mesmo em lugares paradisíacos, não conseguem relaxar, sentem-se pilhadas e ficam hipervigilantes o tempo todo - através de e-mails, facebooks ou celulares.

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Digo aos meus pacientes que a busca do equilíbrio deve ser realizada ao longo de todo o ano e não apenas no período de férias. O comportamento, nesse período específico, pode refletir a forma como a pessoa se relaciona e interage com o mundo ao seu redor.

Impressionante que algumas famílias até se queixam do ritmo alucinante empreendido durante as férias pelo chefe de família, com excesso de obrigações e horários preenchidos por compromissos exaustivos, refletindo a maneira de funcionar na empresa que comanda ou trabalha.

Observo que dificilmente as pessoas conhecem seus limites, algumas até se sentem culpadas em períodos de férias ou descanso, sempre com a sensação de que estão deixando de cumprir uma obrigação do trabalho - até levando tarefas para os momentos de lazer a fim de aliviar a culpa pelo "abandono" de suas obrigações trabalhistas ou medo de perder o emprego em um país que vive grave crise econômica. O próprio preparo paras as férias e as situações encontradas durante as mesmas (aeroportos lotados, extravio de bagagens) podem ser de grande impacto estressor para pessoas excessivamente detalhistas, inseguras, centralizadoras e perfeccionistas.

O perfil de personalidade, portanto, pode influir. Há pessoas com personalidade agressiva e competitiva, que não sabem trabalhar com frustrações, limitações, independentemente do ambiente. São pessoas que aprenderam a se relacionar com base na cobrança, na disputa, e estas vão ter maior dificuldade para o relaxamento.

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Não minimizo jamais o fato de que vivemos em uma rotina de trabalho realmente massacrante nos dias atuais, com excesso de metas, cumprimento de jornadas de trabalho desumanas e até deslealdade ou assédio moral corporativos. Grande parte dos profissionais que entram em estado de exaustão ou "burnout" queixam-se dos aborrecimentos do meio corporativo causados pela artificialidade dos relacionamentos como principal causa de desgaste emocional. O medo de tirar férias é frequente nas pessoas que eu atendo, temem ser traídas e perder os empregos. E durante o ano inteiro vão se submetendo a rotinas extenuantes e agressivas por medo de perder o trabalho. Algumas empresas também estimulam uma competitividade predatória como forma de estimular a produtividade o que é um conceito arcaico e em desuso. Chefes autoritários e centralizadores também levam a um estresse severo de toda a equipe e isso vai contra a criatividade, felicidade e produtividade dos seus subordinados.

É importante que não ocorram pré-julgamentos sem conhecimento de causa. Sempre é preciso saber o motivo da amargura. A pessoa pode estar passando por um momento sério de depressão ou ansiedade, causadas por uma perda real ou simbólica, ou sofrer de uma forma crônica de depressão leve, a distimia. No passado, eram os chamados de rabugentos ou mal humorados.

Oriento as pessoas a não perderem o foco e o controle sobre suas próprias vidas. Canso de ver pessoas que viveram o trabalho intensamente, 24 horas por dia, por muitos anos, que adoeceram física e mentalmente e depois acabaram sendo descartadas como objetos pelas suas empresas quando já não tinham a mesma capacidade produtiva.

É fundamental que mesmo durante o trabalho os profissionais permitam-se momentos de descontração ou lazer, de quebras de rotina e acima de tudo que saibam colocar os limites para si mesmos e para os seus chefes de forma respeitosa. Muitos jovens já buscam empresas com o perfil de valorizar projetos globais de desenvolvimento de seus executivos mesmo que paguem salários mais baixos. Já se foi o tempo de haver prioridade apenas aos altos salários e bônus - além da mentalidade arcaica de que a empresa privilegia apenas os que se sacrificam integralmente em prol do cargo que ocupam. É fundamental que cada ser humano busque o seu próprio ponto de equilíbrio.

Promessas de Ano Novo

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Entra ano, sai ano é a mesma coisa. A mudança de calendário motiva projetos e promessas que, na maioria das vezes, não saem do campo das intenções. A pessoa pode até sentir-se frustrada ao relançar a mesma meta para o próximo ano, mas se o desejo não for acompanhado de atitude e reflexão o mais provável é que nada mude.

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Toda pessoa com condições materiais minimamente satisfatórias tem condição de ser feliz . Para traçar e viabilizar metas de vida o primeiro passo é se conhecer bem e viabilizar projetos segundo seus potenciais Não adianta projetar metas inatingíveis para o próximo ano. Procure saber o que satisfaz você em primeiro lugar e o que está dentro da sua realidade, fugindo dos modelos impostos por uma sociedade consumista, individualista, que raramente considera as peculiaridades de cada um.

Todos precisamos aprender a aceitar que as mudanças vêm com ganhos e com perdas também. Muitos ficam andando em círculos, fazendo mil projetos que efetivamente não conseguem concretizar e não criam condições para que o projeto se torne exequível. Oriento meus pacientes a começarem com metas menores, não entrando no jogo da sociedade, que é muito comparativa. Vivemos em uma era de vulnerabilidade do indivíduo, que se sente impotente, sem referencial, comparando-se à performance de outras pessoas. É uma imposição de fora para dentro, não são anseios oriundos do seu mundo interno. Isto é o que leva muita gente a sofrer de depressão, síndrome do pânico e outras doenças.

Eu sempre acredito no potencial de transformação do indivíduo, seja em qual ciclo da vida estiver, mas admito que quanto mais precocemente a mudança for trabalhada, melhor. Alguns padrões de comportamento mais patológicos podem ficar cristalizados. A pessoa mais velha já estabeleceu uma relação com ela e o mundo ao redor, está acomodada e até com medo do que possa vir acontecer caso mude. Realmente é preciso muita coragem, determinação e capacidade para elaborar as quedas que acabam ocasionando o processo de mudanças. Mas podemos sempre reconstruir nossa historia de vida, ressignificando nossas experiências.

Opinião por Dr. Joel Rennó

Professor Colaborador da FMUSP. Diretor do Programa Saúde Mental da Mulher do IPq-HCFMUSP. Coordenador da Comissão de Saúde Mental da Mulher da ABP. Instagram @profdrjoelrennojr

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