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Porque somos todos iguais na diferença

Mulher que ficou surda na infância volta a ouvir após 23 anos

Por Claudia Pereira
Atualização:

"Hoje, me sinto mais integrada com a minha equipe de trabalho e mais respeitada como profissional. É triste admitir, mas o preconceito mudou muito com a qualidade da minha audição", diz Lak Lobato, autora que lança, neste sábado, livro com foco em crianças surdas na Livraria Casa de Livros

 

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Semanas antes de completar dez anos, Lak Lobato, uma garota cheia de sonhos e ávida por leitura, dormiu ouvindo todos os sons do mundo e, na manhã seguinte, acordou surda. Era final dos anos 1970, ao despertar chamou por sua mãe e a resposta foi o silêncio. Nenhum som, nem mesmo o da sua voz.

A explicação dada pelos médicos era de que ela teve uma provável sequela tardia de caxumba, com diagnóstico irreversível de surdez profunda bilateral. Isso mudou a rotina de sua família. Depois do momento de não aceitação, os pais de Lak transferiram o trabalho para perto de casa para que pudessem atender a qualquer necessidade da filha sem que precisassem usar o telefone. Eles também começaram a fazer trabalhos voluntários com pessoas com deficiência para que a menina pudesse conviver com essa realidade mais de perto. "No caso, eram pessoas com deficiência visual. Meu pai é massoterapeuta e tinha uma escola de formação em massoterapia. Ele começou a dar aulas também para esse grupo", explica Lak.

Como já era alfabetizada, a comunicação com os pais passou a ser por leitura labial, assim como a continuidade dos estudos. Comenta que, durante o período escolar, o mais difícil era encontrar professores que não tivessem preconceito. "Mas eu dei sorte, e só fui me deparar com gente despreparada e sem vontade de incluir na faculdade". Lak pontua que a deficiência auditiva tem diversos graus, diversas alternativas de comunicação e deve haver escolas preparadas para acolher todos esses perfis, de acordo com a necessidade do aluno. "As escolas precisam entender o que cada criança em particular necessita, ao invés de tentar encaixá-la em um protocolo predefinido. Essa deveria ser a missão de qualquer escola para qualquer criança. Não apenas crianças com surdez, mas também com déficit de atenção, hiperatividade, superdotadas, com dificuldades em matemática etc".

Durante 23 anos, se comunicou apenas pela leitura labial e, com esta habilidade, se formou em publicidade e propaganda, estudou espanhol em Madrid e francês aqui no Brasil. Só foi conviver com pessoas surdas já adulta, por meio de grupos na internet. A maioria deles, surdos oralizados e com implante coclear. "Meus amigos de final de infância, adolescência, colegas de trabalho eram (e continuam sendo) ouvintes. Assim como meus namorados e meu marido. Para mim, a condição auditiva de uma pessoa não é fator determinante para aproximação".

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Aos 32 anos, realizou a primeira cirurgia de implante coclear, que por meio de um dispositivo eletrônico inserido dentro da cóclea leva estímulos elétricos codificados para o nervo auditivo. Aos 35, implantou no ouvido direito. Hoje, com 40 anos, tem o melhor resultado esperado do implante e consegue falar ao telefone, ouvir música, entender em outros idiomas. "Não posso dizer que tenho uma audição normal, porque dependo de uma prótese. Não estou curada da surdez, mas ouço tão bem quanto é possível".

Lak diz que após as cirurgias passou a ter mais independência, "uma vez que hoje consigo falar ao telefone". Diz que sua voz/dicção também melhorou muito por conta do feedback auditivo que o implante oferece. Começou a participar de reuniões de trabalho, assistir palestras, fazer cursos, aulas de idiomas, atender ligações dos clientes. "Esse tipo de autonomia mudou o olhar dos meus colegas sobre mim. Hoje, me sinto mais integrada com a minha equipe de trabalho e mais respeitada como profissional. É triste admitir, mas o preconceito mudou muito com a qualidade da minha audição".

Lançamento de livro

Depois que sua principal diversão passou a ser ler livros, por conta da surdez, Lak se questionava enquanto lia histórias infantis diversas e sentia falta de encontrar um personagem com o qual se identificasse: alguém com deficiência auditiva, que usava a língua falada e se comunicava por leitura labial. "Eu cresci sem saber sobre a diversidade da deficiência auditiva, assim como meus pais e professores. Levei muitos anos para ter acesso a informações sobre o implante coclear, que se revelou perfeito para o meu caso".

A falta de acesso à literatura em que os protagonistas fossem pessoas com deficiência despertou em Lak o desejo de produzir um livro que pudesse trazer a inclusão como tema principal. Foi quando, em 2015, surgiu a ideia de criar Lalá, uma menina que deixa de ouvir durante o sono e sua busca para poder escutar de novo e encontrar o som mais lindo do mundo: o do pôr do sol.

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"E Não É Que Eu Ouvi?" é um livro inclusivo, que aborda a deficiência auditiva para crianças de várias idades, com vários níveis de linguagem, que utilizam próteses ou implantes auditivos e estão aprendendo a língua portuguesa. Tem como público-alvo crianças surdas ou com deficiência auditiva, seus pais e todos que se interessam pelotema inclusão. "Também é destinado a professores, para que aprendam sobre o tema, se conscientizem e eduquem".

CONTiNUA APÓS PUBLICIDADE

De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), o Brasil tem quase 10 milhões de surdos e cerca de 70% deles têm dificuldades em ler e escrever em português, usando a Língua Brasileira de Sinais (Libras) para se comunicar, que desde 2002 é considerada língua oficial no Brasil, junto com o português. Para as pessoas que não compreendem a língua portuguesa, Lak diz que "podem começar entendendo só as figuras do livro e, com a alfabetização, passar a lê-lo. Mais tarde, poderão compreender sua própria deficiência lendo a parte técnica, que é um pouquinho mais complexa".

Como parceiro de projeto, Lak teve seu marido, Eduardo Suarez, que também assina asilustrações.

Sobre a forma como a sociedade encara pessoas com deficiência auditiva, Lak diz que o primeiro passo é reconhecer que a surdez possui diversidade e oferecer todas as formas de acessibilidade possível: "legenda para quem domina a língua portuguesa, mas não tem bom resultado com próteses/implantes auditivos, Libras para quem só fala Libras, recursos que melhoram o áudio (sistema FM ou aro magnético) para quem prefere um som mais adequado para ser captado pela prótese. ?Reconhecendo essa diversidade, fica mais fácil acolher a pessoa com deficiência auditiva de acordo com o grupo ao qual ela pertence, a língua que fala e suas necessidades". E finaliza dizendo que "respeitar a liberdade de escolha e fornecer as ferramentas adequadas para o desenvolvimento das crianças é o ponto chave para criarmos uma sociedade verdadeiramente inclusiva e acessível".

Serviço

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Lançamento: "E Não É Que Eu Ouvi?" - com sessão de autógrafos

Local: Livraria Casa de Livros - Rua Capitão Otávio Machado, 259, Chácara Santo Antônio, Tel. (11) 5185-4227

Data: 2 de dezembro/2017

Horário: 13h às 17h

Programação infantil:

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  • Escultura de balões
  • Pintura de rosto
  • Contação de história e intérprete de Libras
  • Surpresinhas
  • Stand de implantes e acessórios para quem não conhece a tecnologia

Evento com entrada gratuita.

Para saber mais, acesse: http://desculpenaoouvi.laklobato.com/paraCriancas

 

Comentários e sugestões de pauta devem ser encaminhados para os e-mails familiaplural@estadao.com e familiaplural@gmail.com

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