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Porque somos todos iguais na diferença

É possível para a mãe amar os filhos de forma igual?

Por Claudia Pereira
Atualização:

Trama retratada em "Dois Irmãos" mostra como as diferenças no ambiente familiar podem ser prejudiciais à evolução de cada um

Impossível para o Família Plural deixar passar despercebida a série "Dois Irmãos", inspirada na obra do escritor amazonense Milton Hatoum, e que será exibida pela Rede Globo até a próxima sexta-feira, dia 20. Intensa e repleta de conflitos familiares, a obra mostra como dois irmãos gêmeos, Omar e Yaqub, passam a se odiar em razão das atitudes da mãe, Zana, que nitidamente demonstra predileção por um dos filhos. Mas será que é mesmo possível amar os filhos de forma igual, sem tirar nem pôr? Mães que possuem mais de um rebento, inevitavelmente, em algum momento de suas vidas se deparam com a pergunta: "mas de qual filho você gosta mais?". Eu, como mãe de gêmeos, fui, e ainda sou interpelada com esta questão. E minha resposta sempre é: "não há filho que você gosta mais, mas sim aquele com quem você possui mais afinidades em determinados assuntos". Quando, na infância, eu ouvia primos e amigos reclamarem que suas mães preferiam este ou aquele filho, que se sentiam preteridos pelos pais, nunca compreendia como era possível uma mãe preferir um filho a outro, amar mais um do que o outro, ser mais benevolente e permissiva com um do que com o outro. Talvez porque sou filha única e, nesta situação, todas as atenções se voltam para você, assim como todas as cobranças e expectativas também. Hoje, como mãe, acompanhando o folhetim e já tendo lido a obra de Hatoum - aliás, quem não leu e está gostando da minissérie deveria ler - me pergunto se, de repente, meus primos e amigos não estavam certos, e existe mesmo essa predileção maternal por um dos filhos.

Zana (Juliana Paes) entre os filhos Yaqub (esq) e Omar, representados pelos atores Lorenzo Rocha e Enrico Rocha, respectivamente / Foto: Reprodução

Antes de escrever esta matéria, conversei com algumas pessoas que possuem irmãos para saber se elas tinham, ou ainda têm, este sentimento de que um dos irmãos é o preferido da mãe. No quesito predileção, alguns ficaram na dúvida, mas no que se refere a regalias dadas aos irmãos mais novos todos foram unânimes: irmão mais velho é sempre o que sofre mais (todos os caçulas e irmãos do meio concordaram). Mas e quando são gêmeos? Teoricamente, não existe "o mais velho" quando se é gemelar. Meus filhos Guilherme e Vinícius, por exemplo, têm uma diferença de três minutos de um para o outro. E, desde a barriga, tratava os dois da mesma forma. Quando nasceram, o que fazia para um também fazia para o outro. Se falava com um deles ao telefone, pedia para falar com o outro depois, e sempre perguntava e dizia as mesmas coisas para ambos. E, passados 15 anos, até hoje é assim. Guardadas as devidas proporções, sempre tive medo de que meus gêmeos sentissem exatamente isso que os gêmeos de "Dois Irmãos" sentem. Yaqub acredita, e neste caso com toda razão, que a mãe ama mais o irmão, tornando-se indiferente com a família na fase adulta, e Omar, mesmo recebendo todo o amor do mundo, sente inveja do irmão rejeitado, e também é indiferente com a família, tornando-se agressivo por culpar os pais e seu gêmeo por seus infortúnios. Mas qual é o segredo para fazer com que os filhos se sintam amados em igual proporção? O que fazer para que eles não descarreguem a culpa de tudo aquilo que não deu certo em suas vidas em cima dos pais e de outros familiares? Minha tática sempre foi a de tratar os gêmeos exatamente da mesma forma. Sempre fazendo as coisas em dobro. Repetindo ações, palavras, carinhos, além de muito, mas muito diálogo mesmo. Muitos me criticam, dizem que preciso diferenciá-los, pois o mundo fará isso com eles em algum momento. Para esses eu respondo: "não sou o mundo, sou a mãe".

Omar (esq.) e Yaqub, os gêmeos representados na fase adulta por Cauã Reymond / Foto: Reprodução

Mas será que, mesmo quando os pais dão o seu melhor, os filhos sempre trarão dentro de si a sensação de que eles poderiam ter feito mais, ajudado mais, ter sido mais amorosos, mais compreensivos? Claro que temos casos em que os pais, de fato, tratam os filhos de forma desumana, cometem diferentes tipos de abusos, mas o debate aqui não abrange essas pessoas. Conversando com algumas mães, todas disseram que não fazem diferença entre um filho e outro. Assim como a personagem Zana, que em vários momentos repete, como que querendo convencer a si própria, de que ama os seus gêmeos da mesma forma. As mães que conversaram com o blog disseram que, quando nasce o primeiro filho, a pressão em acertar é tão grande, a tensão em realizar algo pela primeira vez é tão intensa que o primogênito acaba sendo mais cobrado. Que quando os demais filhos chegam é como se fosse um déjà vu, tudo mais tranquilo, por isso acabam "relaxando" com os mais novos. Se você perguntar a dez mães qual seu maior desejo, certamente a resposta da grande maioria será: que meus filhos sejam felizes. Porém, o sentido de felicidade é muito relativo. Para muitas, fazer o filho feliz é não contrariá-lo, deixar com que leve a vida da forma que bem entende, como Zana em relação aos gêmeos, pois Yaqub também leva a vida da forma que acredita ser a melhor, cada vez mais introspectivo e isolado da família, sem nenhuma interferência efetiva da mãe para mudar isso. A grande verdade é que não existe fórmula certa para a maternidade. E que apenas saberemos se tudo saiu do jeito que planejamos e gostaríamos quando nossos filhos forem adultos. Mas é claro que temos uma prévia ao longo do percurso. Que possamos ensinar aos nossos filhos a fábula dos dois lobos, em que um representa a raiva, a inveja, o ciúme, a tristeza, o arrependimento, a cobiça, a arrogância, a autocomiseração, a culpa, o ressentimento, a inferioridade, as mentiras, o orgulho, a superioridade e o ego, como Omar. E o outro a alegria, a paz, o amor, a esperança, a serenidade, a humildade, a bondade, a benevolência, a empatia, a generosidade, a compaixão e a fé, como Yaqub. E quando eles perguntarem qual desses dois vence, que possamos dizer: "Aquele que você alimentar". Talvez, o grande papel dos pais com os filhos seja ajudá-los a alimentar o lobo bom que existe dentro de cada um.

O amazonense Milton Hatoum, autor do livro "Dois Irmãos" / Foto: Reprodução

 

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