Para a psicóloga e especialista em sexualidade humana, Mariana Farinas, quando falamos de sexualidade para os filhos estamos falando de nós mesmos, de nossas experiências e vivências
O tema sexualidade passou a ser "hard news". Nunca se falou e se discutiu tanto este assunto quanto nos últimos meses.
Grande parte dessa discussão por conta de eventos como a exposição "Queermuseu", no Rio de Janeiro, o projeto "Histórias da Sexualidade", no Masp, que além de exposição conta com ciclo de palestras sobre o tema,e a performance com de um homem nu dentro do 35º Panorama da Arte Brasileira no Museu de Arte Moderna (MAM), sendo os dois últimos em São Paulo.
De fato, este não é um dos temas mais fáceis de se abordar com os filhos e, até hoje, os pais se enrolam para responder uma das primeiras questões de sexualidade lançada pelos pequenos: "de onde vem os bebês?".
Diante de tanta polêmica sobre o que pode e o que não pode, o blog foi bater um papo com Mariana Farinas, psicóloga formada pela PUC-SP e especialista em Sexualidade Humana pela Universidade de São Paulo (USP). Ela deu algumas dicas sobre como abordar o tema que ainda é tão espinhoso para pais e filhos.
Família Plural - Existe idade certa para começar a abordar o tema sexualidade com os filhos?
Mariana Farinas - O momento certo é quando os pais se sentem preparados, quando estão tranquilos em relação à própria sexualidade. Se eles não estiverem seguros em relação a isso, certamente os filhos não os enxergarão como pessoas a quem recorrer. Os pais podem estar receptivos e responderem às curiosidades das crianças. Da mesma forma que podem se dar ao direito de falar que preferem ter essa conversa em um outro momento. É uma conversa delicada, importante. O que os pais devem ter em mente é que precisam estar preparados para uma conversa bacana. A clássica pergunta "de onde vem os bebês?" deve ser respondida e é importante os pais estarem calmos para conseguir falar com a linguagem do filho. Quando falamos de sexualidade para os filhos, estamos falando de nós mesmos, podemos compartilhar com eles nossas experiências e vivências. Para os jovens, os pais podem falar do amor, do prazer, como se sentiram em determinada situação, se foi uma sensação boa, entre outras coisas.
FP - Há métodos ou formas de abordar este tema? Como?
MF - É importante compartilhar experiências, mas respeitar os limites do filho, falar apenas sobre o que ele está preparado para ouvir. Você pode querer falar com o filho e ele não querer falar com você sobre isso. Por mais que se tenha vínculos fortes, às vezes há assuntos com os quais não se têm conexão, em que os filhos não se sentem confortáveis. Ao sentir esse desconforto, os pais podem sugerir que ele fale com alguém de confiança como professores, familiares, psicólogo. Se o jovem não se sente confortável, de forma alguma, em falar sobre sexualidade com os pais, significa que ele não os vê como pessoas receptivas, sentindo que não pode falar com eles de igual para igual. Isso pode ser por ter medo de ser julgado, de não ser compreendido, de levar bronca. Pensa que a conversa pode trazer coisas ruins e piorar sua situação. Até porque é parte da jornada dos pais a função de impor limites. O filho na juventude tem o momento de fazer coisas escondidas, se sentir mal com algo que fez e não recorrer aos pais com medo de represálias. Quando vamos ter uma conversa importante com alguém, sondamos a pessoa, buscamos informações, esperamos o momento certo, nos envolvemos com a questão. Assim deve ser com os filhos no momento de falar sobre sexualidade. É possível sinalizar ao filho, na fase da puberdade, que dali a algum tempo iniciará a sua vida sexual, questionar se ele já teve alguma orientação na escola. É preciso fazer o movimento para saber onde o filho está posicionado dentro do tema.
FP - Por que falar sobre sexo com os filhos é um tabu para os pais?
MF - Sempre atribuímos um valor ao que as pessoas fazem, mas é preciso escutar sem julgar. Na maioria das vezes, os pais fazem uma escuta moral. Para o jovem é muito importante a aceitação dos pais. Se eles não o aceitam nessa vivência que é tão íntima e carregada de medo, alegria, emoção e prazer, o filho não se sentirá confortável para ter uma relação com eles em qualquer outro sentido. Esse apoio é importante para a estabilidade, a confiança. Situações mal resolvidas com os pais afetam todas as outras coisas na vida. Uma boa relação com os pais nessa questão da sexualidade ajudará em uma boa vivência em outras áreas. A maioria dos pacientes que vem ao consultório com os pais diz que não são compreendidos, que os pais não os aceitam, que quando contam as coisas os pais brigam. Os pais, por sua vez, podem não estar acolhendo o filho por conta de suas limitações. É importante se questionar: qual relação tenho com meu filho?
FP - Como identificar se um filho é homossexual ou trans? Como agir?
MF - A sexualidade é mutável na adolescência. O mais comum é que o adolescente experimente, às vezes tem uma admiração por um amigo e isso pode vir na forma de ele achar que é um desejo sexual, mas às vezes não é. Não tem como saber, o filho é que vai mostrar para os pais. Se eles sentirem que o filho é homo ou trans, podem chamá-lo para uma conversa,deixando claro que este fato não vai definir o amor que sentem por ele, que não há o risco de perder o pai e a mãe. É esse medo que impede o filho de se abrir. Se os pais são muito ansiosos e o filho sente, pode ter medo de contar e gerar mais ansiedade.
FP - Você enxerga o fato de os pais quererem saber sobre a sexualidade dos filhos como algo invasivo ou necessário para dar suporte ao jovem?
MF - Invasivo tem a ver com uma barreira ou limite. Se o filho expressa desconforto ou mal-estar, significa que a conversa é invasiva. Se os pais nunca falaram sobre sexo e, de repente, querem falar, pode ser invasivo. O que pode ajudar os pais a não serem invasivos, mas serem presentes e orientarem o filho, é inserir a questão da sexualidade numa linha do tempo. Dizer a ele: "foi assim para mim, para seus avós e, como está ingressando nesta nova etapa, quero saber como está se sentindo sobre isso". Invasivo é introduzir um assunto sem que haja confiança ou intimidade para isso.
FP - Hoje em dia os jovens estão iniciando a vida sexual mais cedo? Como os pais devem agir em relação a isso?
MF - A vida sexual está começando bem mais cedo e a idade de menstruação das meninas está mais baixa, elas estão menstruando mais cedo. Quando há uma relação construída, observando onde o filho está e sendo receptivo a isso, os pais estarão mais em sintonia com esse momento do filho, do sexo. É preciso criar essa relação antes que o filho inicie a vida sexual. Sempre é tempo de começar a desenvolver essa relação. O mais importante é transmitir ao filho que está interessado, fazer com que ele se sinta à vontade em falar ou não. O filho sentindo isso, compreende que os pais querem que seja feliz, saudável, seguro, que desejam que ele viva algo que traga bem-estar.
FP - Como falar com os filhos sobre questões como a primeira transa, masturbação?
MF - Os pais podem usar da própria experiência para relatar fatos da vida. Mostrar ao filho que a maioria das pessoas faz, que é o início da descoberta de si mesmo. Se os pais estiverem seguros e confiantes em relação a isso, podem respeitar o espaço de intimidade do filho. Às vezes, quando as crianças se tocam na frente dos outros, o adulto pode orientar e dizer que está tudo certo, mas que não pode ser feito na frente dos outros. O filho pode chegar a ter uma conversa sobre masturbação com os pais, que podem explicar que é um desejo sexual. Uma pessoa tem um desejo e precisa realizá-lo, independentemente dos outros. Um ponto importante: é preciso eliminar o caráter religioso.
FP - Como especialista no assunto, qual o seu conselho para os pais que estão perdidos neste quesito: diálogo sobre sexualidade com os filhos?
MF - Difícil resolver problemas grandes quando se está sozinho. Sempre digo que estar melhor resolvido com a própria sexualidade, livre de preconceitos, etc é o melhor caminho. Também ter em mente que é possível conversar com outros pais, buscar orientação de psicólogos, livros, recursos de informações e recursos afetivos, pessoas que podem apoiar, trocar experiência, os professores da escola, as pessoas que convivem com o filho. É importante os pais saberem que, se não dão conta sozinhos, devem aceitar e buscar recursos externos.
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