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Porque somos todos iguais na diferença

A solidão e os medos da maternidade solo na pandemia

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Por Adriana Del Ré
Atualização:

Sem poder contar com a rede de apoio - ou com ela bem mais restrita - por causa da covid, mães solos relatam ao blog as adversidades que enfrentam neste período, como sobrecarga de tarefas, diminuição de renda ou mesmo a falta de terem alguém que cuide delas

 

Mães em home office. Foto: congerdesign por Pixabay

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Desde o ano passado, vemos pesquisas alertando que as mulheres são as mais impactadas pela pandemia: são as mais afetadas no mercado de trabalho, as que se sentem mais abaladas emocionalmente, que acumulam mais afazeres em casa, cuidam de alguém da família e estão mais expostas à violência doméstica - e ao feminicídio - por estarem confinadas mais tempo com seus agressores. Se a rotina já está pesada para as mulheres em geral nesta pandemia, imagina para as que são mães? E para as mães solos então? Vale lembrar que atualmente quase metade dos lares no Brasil é sustentada por mulheres - e, por chefiarem famílias sozinhas, mães com filhos e sem cônjuge ou companheiros tiveram direito a auxílio emergencial maior.

Sou mãe solo de uma adolescente hoje com 13 anos. Sendo bem sincera, achei que eu não iria sobreviver no ano passado. Não apenas por medo de ser infectada pela covid, mas também por achar que não iria dar conta, sozinha, do combo trabalho + filha + vida financeira + saúde mental + tarefas do lar. Por achar que uma hora meu corpo e minha mente iriam entrar em curto-circuito.

Vivi momentos de pesadelo. Testemunhava minha filha entrar em colapso com o isolamento, privada de conviver com os amigos, com crises de choro e sem conseguir se adaptar com a educação a distância. E, mesmo assim, eu precisava girar todos os pratinhos sem desequilibrá-los - era minha obrigação, minha responsabilidade: não deixar minha filha ir ao fundo do poço, dando suporte a ela, estar presente no dia a dia dela, e também dar o meu melhor no trabalho, administrar minha caótica vida financeira, cozinhar, faxinar a casa, lavar roupa. Tudo isso enquanto os noticiários mostravam o avanço da pandemia - e do número de mortes.

Chorei, me descabelei, desabei. Bateu a solidão. Completamente sem forças, havia momentos em que eu só queria que outra pessoa preparasse o almoço ou acompanhasse a vida escolar da minha filha. Senti falta de dividir aquele dia a dia com alguém. Àquela altura, eu já não podia contar com minha habitual rede de apoio, que são meus pais e meus avós, que precisavam (e ainda precisam, mesmo que vacinados) ficar isolados. Era com eles que eu sempre contava antes da pandemia. O pai da minha filha mora no interior, e a pandemia fez com que as vindas dele para São Paulo diminuíssem. Me senti várias vezes impotente, solitária, mesmo recebendo conselhos a distância de familiares, amigos. Essa parecia ser uma bolha só minha e da minha filha - e que só eu poderia agir nela. Não foi fácil.

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Cheguei a compartilhar algumas angústias e dificuldades com ela, mas eu não sabia ao certo até que ponto poderia avançar. Segundo a psicóloga Bianca Panvequi Liberati, não se deve "partilhar essas informações (com os filhos) para não existir uma troca de papel, mas explicar que as coisas estão complexas, explicar a importância do auxílio e do equilíbrio". "Os filhos, por sua vez, podem auxiliar nos serviços e afazeres domésticos, serem responsáveis pelos seus próprios estudos e cuidados mínimos pessoais e, se possível, utilizar a tecnologia para potencializar o trabalho da mãe caso ela seja empreendedora", afirma ela.

Bianca concorda que as mães solos tiveram suas cargas amplificadas por causa da pandemia. E como lidar com essa rotina? "O que elas podem e devem fazer é tentar minimamente no momento próximo ao sono se permitir ter um momento dela. Se possível, encontrar em conjunto com a criança programas lúdicos, livros, vídeos, filmes para distrair a criança, conversar e ter um diálogo aberto com os gestores da empresa onde trabalham, pedir auxílio aos professores, solicitando atividades lúdicas, e contando com os familiares e amigos da criança de forma virtual", orienta a psicóloga, especialista em terapia integrativa e idealizadora da Sentir Terapias Integrativas. E em relação aos pais desses filhos? "O pai pode pegar quinzenalmente a criança, auxiliar por meio de chamadas de vídeo. Pode existir um combinado com a mãe de uma rotina para esse filho contando com ajuda do pai, e combinar horários para que ninguém se prejudique", diz ela.

Este ano, eu e minha filha estamos mais adaptadas, se é que podemos dizer assim, à rotina e às restrições impostas pela pandemia. Mas há coisas que não mudam: só se ajeitam, se acomodam. Fui atrás de depoimentos de outras mães solos - e me identifiquei com vários de seus relatos: a sensação de solidão; a necessidade de também ser cuidada; o receio de não conseguir bancar financeiramente a casa; o medo de morrer e deixar o filho órfão (o medo sempre existiu, mas ele é ainda maior diante de uma doença tão avassaladora), entre tantas outras questões.

Leia os depoimentos:

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Juliana e João Davi. Foto: Bel Furtado/Acervo pessoal

Juliana Santos Andrade, 47 anos, produtora de eventos, mãe de João Davi, de 7 anos

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"Sou mãe solo desde 2018, quando me separei. Antes da pandemia, eu estava com uma rotina muito pesada. Na verdade, logo após a separação, passei um período muito complicado, tive depressão por causa da separação, que foi desastrosa. Voltei a trabalhar em outubro de 2019. Até março de 2020, eu estava em uma agência de comunicação, em Jacarepaguá (no Rio). Lá eu trabalhava de 9h às 18h. Então, minha rotina era punk. Eu acordava às 6h, 6h30 para arrumar as coisas, levar meu filho na escola às 7h30, e dali eu saía (da Ilha do Governador) para trabalhar. Quando dava 18h em ponto, eu estava na porta do meu trabalho saindo para estar de volta à Ilha às 19h, que era o acordo que eu tinha com a tia-avó do meu filho por parte de pai, que me ajudava com o João na época (e até hoje). Quando eu chegava em casa, era a hora que eu ia dar conta dele, fazer trabalho de casa, dar banho, jantar, e depois colocar para dormir. E a partir do momento que ele dormia é que eu ia fazer minhas coisas, dar um jeito na minha casa, comer, preparar as coisas dele para o dia seguinte. Ia dormir 23h30, meia-noite para acordar 6h e começar tudo de novo. Aí veio a pandemia em março. Num primeiro momento, de março a maio, foi muito pesado, porque eu trabalhava na agência e comecei a trabalhar em home office, e ele parou de ir para a escola. Eu no computador o dia inteiro com uma criança de 6 anos do lado, tendo de dar conta sozinha do home office com uma demanda muito maior, de 10h, 12h por dia e dele. Às vezes, eu saía da frente do computador exausta, estressadíssima, e ainda ia de ter de fazer as coisas para ele e para mim. A escola dele começou com aulas online muito rapidamente, acho que na segunda semana da pandemia. No início, eram aulas gravadas e depois passaram a ser alternadas com ao vivo, e aí alguns dias assistia à aula em tempo real e, em outros, a gente ficava à vontade para apresentar essa aula para a criança no momento que tivesse disponibilidade. Então, você imagina: considerando que naquele dia eu tivesse trabalhado das 9h às 18h30, 19h, e depois disso ainda tinha de entrar no computador para dar aula para ele, não tinha condições, porque eu já estava para lá de estressada e ele, estressado de um dia inteiro dentro de casa e com a mãe dele do lado, mas ausente emocionalmente. Então, ele ficou muito tempo sem aula porque eu não conseguia dar conta. Na Semana Santa, resolvi ir para casa da minha família, que é em Barra do Piraí, porque pedi ajuda, lá podia passar o dia inteiro no computador, tendo quem cuidasse dele, dando comida, dando atenção, e eu também ia ser cuidada. Foi lá que melhorou um pouco. Até que, no final de abril, fui demitida. Fiquei muito preocupada em relação à grana, mas, ao mesmo tempo, muito feliz de ter sido mandada embora, porque eu realmente não estava aguentando mais aquela rotina. Fiquei mais uns 20 dias lá, para descansar, para ser cuidada, e aí voltei para minha casa. Antes da pandemia, eu só vivia correndo, estava assoberbada, de ter de dar conta de tudo. Aí a pandemia me obrigou a ficar dentro de casa, parei de trabalhar e consegui respirar. Recebi auxílio emergencial, que, embora o processo tenha sido muito desgastante, me ajudou bastante a me manter tranquila para viver aquele momento que, para mim, estava sendo restaurador, tanto por estar com meu filho quanto para poder me cuidar. Claro que tem o medo, as restrições, a falta de grana, mas eu não passo necessidade. Para o básico, eu tenho, e tenho muitos amigos que me ajudam, não necessariamente com dinheiro, mas com afeto, com companhia, e já tive muita ajuda financeira também. O pai do meu filho era muito presente quando éramos casados, não tenho vergonha nenhuma de dizer que ele era mais mãe do que eu, mas, um mês depois da separação, ele virou uma chave que eu não o reconheço mais. Então, não conto com a ajuda dele para nada. Com certeza, sinto falta de dividir a rotina com alguém. É extremamente cansativo, não tenho folga. O tempo em que não estou com o João é porque estou trabalhando. Isso quando ele não está trabalhando comigo. Pois tudo o que faço, para onde vou, ele está comigo. Sinto falta de uma pessoa para tudo: para eu ter com que dividir uma conversa, parceria, para a pessoa fazer comida enquanto estou arrumando a casa, por exemplo, para eu dormir meia hora a mais."

 

 

Silvia e Elis. Foto: Acervo pessoal

Silvia Lira Ribeiro, 30 anos, psicóloga, mãe de Elis, de 3 anos

"Minha rotina antes da pandemia era puxada, porque eu trabalhava em São Paulo e moro no interior. Algumas vezes eu ia duas vezes por semana para São Paulo e minha filha ficava com a minha irmã; outras vezes que eu ia uma vez por semana, mas aí passava mais dias lá trabalhando para poder valer a pena. Era complicado, mas minha irmã estava aqui, era minha rede de apoio. Após a pandemia, ficou complexo, porque tive de mudar de cidade, já que onde eu morava, em Pereiras, eu ia ficar sozinha sem minha irmã, que passou por processo seletivo para trabalhar em São Paulo, e eu não conhecia ninguém para cuidar da minha filha lá. Então, me mudei para Tatuí, mais perto de São Paulo, onde a mãe de uma amiga minha começou a ficar com a Elis a partir de setembro. Antes disso, de março a julho, ficou todo mundo em casa - eu, a Elis, minha irmã e uma amiga dela - e, em julho, levei a Elis para o Piauí, onde mora minha mãe, porque essa pessoa que ficaria com a Elis não estava em Tatuí e eu não conhecia ninguém para ficar com ela. Em setembro, fui buscá-la. Aí foi uma outra rotina. Meu namorado veio morar aqui. Ficamos eu, ele e a Elis, e a Elis ia para a casa dessa mãe da minha amiga, que cuida dela. Uma das dificuldades que enfrentei no começo da pandemia foi que nem todos os pacientes ficaram comigo, então a minha renda que já era baixa começou a cair bastante. O pai da minha filha não era presente. A pandemia começou em março de 2020 e a última vez que ele tinha visto ela foi no Natal de 2019. Teoricamente, ele teria de pegá-la de 15 em 15 dias, mas ele não faz isso. Meu pai mora em Conchas, cidade vizinha de Pereiras, e também me ajudava bastante e até hoje me ajuda quando preciso de um final de semana de respiro, por exemplo. Sinto falta de dividir essa rotina com alguém. Quando meu namorado estava aqui, era ótimo porque ele me ajudava. Agora em abril, eu tive covid, meu namorado também, assim como a pessoa que cuida da Elis. Aí precisei ficar esse mês inteiro com a Elis. Agora estamos só eu e ela, e é muito pesado ter de dar conta de tudo. Tenho refletido bastante. É um processo para mim, de falar: 'você não dá conta de fazer tudo sozinha'. Sinto muita falta de morar mais perto de alguém da família, das minhas amigas, todas sempre me ajudam bastante, e a maioria do meu ciclo de amizade está em São Paulo."

 

 

Débora e Flora. Foto: Acervo pessoal

Débora Venturini, 48 anos, assessora de imprensa e produtora cultural, mãe de Flora, de 15 anos 

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"Antes da pandemia, a rotina era pesada. Apesar de eu ser mãe de filha única, a rotina é a mesma de todas as mães, que é trabalhar, cuidar da casa, não tenho ajudante para nada. Só que antes da pandemia, de duas a três vezes por semana, ela ficava o dia todo na escola, e nos outros dias ela tinha outros cursos. Era uma rotina já pesada, mas estava tudo programado. Desde o começo da pandemia, a gente viveu fases diferentes. O primeiro momento foi do susto. Me lembro quando decretaram o fechamento das casas de espetáculo e, como trabalho basicamente com cultura, como produtora e assessora de imprensa, me lembro de ouvir meu pai, que mora no interior, dizer: 'fecha tudo e vem embora, sai daí porque acabou'. Falei: 'nossa, acabou minha vida, vou morrer de fome se eu ficar aqui'. Tenho uma família para cuidar e bateu um desespero. Tive uma crise de pânico total, mas, da mesma forma que aquilo me destruiu naquele momento, fez com que eu fosse ao fundo do poço e subisse. Falei: 'escolhi isso para viver, escolhi essa cidade para viver e vou à luta. Por sorte ou por alguma razão, os trabalhos começaram a surgir mesmo durante a pandemia e a roda começou a girar, continuei conseguindo me manter, manter as coisas no lugar, minha filha estudando na mesma escola. Depois, a rotina parece que entrou no trilho. No final do ano passado, começo deste ano, eu senti o choque de novo, porque a gente estava entrando nessa segunda onda, se é que a gente pode chamar assim, e eu vi que o pique, principalmente da minha filha, estava caindo. Ela estava muito cansada, não aguentava mais ficar trancada, dentro de casa sem ver amigos, e aí as coisas começaram a ficar difíceis. Tive de lidar com outra questão que foi fazer com que o ânimo dela não despencasse. O pai da minha filha mora em Jundiaí, ele só vê a Flora aos finais de semana. Não sinto falta de um companheiro dentro da minha casa. O que sinto falta é de alguém da família mais perto, porque a pandemia aumentou as distâncias, não vejo meu pai, não vejo meus irmãos, isolou a gente. O que tenho medo é que a gente está tão acostumada hoje a ficar só eu e ela, a gente criou um mundo, eu, a Flora e a minha cachorra, que não sei como vai ser nossa readaptação depois para o mundo de novo. E o medo também de ela sentir a mesma dificuldade de sair, porque hoje a gente está muito junta, ela está muito dependente de mim e eu, dela. Acho que isso vai ser um problema depois para a gente se desvencilhar."

 

 

Clara e Serena. Foto: Acervo pessoal

Clara Bittencourt Leite, 40 anos, supervisora comercial e médica veterinária, mãe de Serena, de 1 ano

"Minha filha nasceu em julho de 2019. Quando começou a pandemia, ela tinha de 7 para 8 meses e já ia para escola, porque voltei a trabalhar quando ela fez 4 meses. Mas ela estava ainda numa fase muito inicial, já era difícil, e com a pandemia, ela ficou sem escola. Assim, os primeiros 3, 4 meses foram os piores. Inclusive nessa época, eu me separei. Eu e o pai da minha filha ficamos em home office e, em maio, fui demitida. Disseram que era para diminuir o quadro de funcionários - apesar de eu trabalhar no mercado pet, que é um dos que mais cresceram e que mais crescem. Acho que tem mais a ver com a minha maternidade do que com a pandemia, mas um monte de gente foi demitido e fui junto. Em julho, me separei. E aí a vida virou de ponta-cabeça. Antes da pandemia, já era uma rotina pesada, porque eu deixava a Serena na escola 8h, 8h30 e pegava ela entre 17h30 e 18h, aí chegava em casa e tinha de dar banho, trocar de roupa dela, ficava um pouco com ela e já entrava na rotina de fazê-la dormir. Em junho, encontrei outro emprego, mas as escolas estavam fechadas. Foi muito difícil, tive de contar com a ajuda da minha família, porque eu já estava separada. Uma das minhas irmãs, que é professora, também não estava indo para a escola e ainda não estava nesse ritmo de aulas online muito pesado. Ela ficava 2 dias da semana com a Serena, eu ficava mais dois, e no outro dia, às vezes meu pai vinha de São Paulo (para Jundiaí) para ficar com ela. Quando a Serena nasceu, o pai da minha filha teve 40 dias de licença e ficou junto comigo, mas, quando acabaram os 40 dias, ele levantou, colocou a roupa dele, foi trabalhar e a vida dele continuou normalmente. Ele fica com ela só nos dias que são combinados no acordo da separação. Para eu conseguir trabalhar, conto com o apoio da minha família, e de outubro para cá tenho uma babá, que fica com ela, porque não me senti muito segura para que ela voltasse para a escola por enquanto. Então, a gente vai se desdobrando. Fiquei preocupada em recorrer ao meu pai, à minha irmã, à babá, por causa do coronavírus, mas não tinha muito para onde fugir, porque preciso trabalhar. Não sinto falta de dividir minha rotina com alguém, sinto falta de fazer outras coisas, de ir a um parquinho, de levar ela para a piscina. Claro, dão trabalho para mãe do mesmo jeito, mas acabam distraindo, sendo recreativas. Acabo ficando com ela muito tempo em casa, e quando estou em casa com ela mesmo nos finais de semana, preciso lavar louça, fazer almoço, e acabo a deixando com o celular ou na TV, porque ela é pequena e somos só eu e ela."

 

Mônica*

"Antes de tudo, é preciso contextualizar a condição da maternidade solo. Solo, etimologicamente falando, vem da palavra solidão. Mas a solidão da maternidade solo não vem do estado civil: é uma solidão que nos impõe a responsabilização de toda (ou quase toda) responsabilidade pela criação de um ser humano. A rotina de uma mãe solo é uma rotina exaustiva de uma sobrecarga absurda, não apenas sobre a criação do filho(a), mas também de corresponder às expectativas que a sociedade espera que seja a maternidade. A mãe deve ser perfeita, não se queixar, estar sempre equilibrada. A pandemia trouxe o constante medo de morrer. E quando você é a única responsável pela vida de uma criança, morrer é deixá-la sem afeto, sem os cuidados necessários para se tornar um adulto, um cidadão equilibrado, é deixá-la em desamparo. Só essa carga já é muito pesada.  A morte, que já nos era temida antes, agora passa a nos rondar como uma sombra. O tempo todo. Quando se vive num país onde o governo adotou uma política negacionista, a pandemia se torna ainda pior. Minha experiência com a pandemia foi a covid levar minha mãe. Apesar de ela estar isolada há meses, teve de ser hospitalizada em função de um linfoma, que não a mataria porque havia chance de cura, mas necessitou de uma internação e lá no hospital veio a se infectar com covid. A doença a levou à morte. Perdê-la significou a perda da minha única rede de apoio. Também perder a escola presencial trouxe demandas antes inimagináveis. Se antes já era difícil toda a rotina de preparar para a escola, dar conta das tarefas de casa, etc., a função de ensinar (mesmo sem muita didática) nos foi imposta causando ainda mais sobrecarga. No entanto, ser a única fonte de renda que a criança conta para comer, ter saúde, vestimenta, um teto, etc. nos coloca no desespero de se mostrar produtiva, já que o mundo capitalista assim nos impõe. Levar meu filho ao trabalho presencial tem sido a única possibilidade de estar ativa no emprego. Isso determina risco para ele, me dificulta na produtividade e, mesmo sabendo que levá-lo ao trabalho é um 'privilégio' já que muitas mães solos não podem fazer isso, eu não sei por quanto tempo isso será tolerado pela chefia do meu emprego. O pai do meu filho nunca foi presente. Durante o casamento, se mostrava descompromissado com os cuidados e nunca foi regular com o pagamento da pensão após a separação nem com as visitas. Durante a pandemia, acho que pelo isolamento, a carência afetiva o fez começar a procurar um pouco mais por um breve período. Nunca constante, nunca com rotina, nunca com responsabilidade nem financeira nem afetiva. Apareceu, matou a carência e já não encontra mais o filho. Na pandemia, tendo de lidar com a solidão, com o luto da morte da minha mãe (com quem meu filho ficava para que eu pudesse trabalhar), com o medo de adoecer e não ter com quem deixar meu filho, com a incerteza de vida e da morte, só reforça o quanto preciso de ajuda. Mas, mesmo namorando, não sinto que meu namorado se comprometa com meu filho. Os homens em geral não têm uma educação com o cuidado. Sendo meu filho de outro homem, mesmo conhecendo a minha luta, ele, como toda sociedade, deve acreditar que o filho é de responsabilidade só minha. Moramos só eu e meu filho. Eu me responsabilizo por tudo, pela casa, pelo trabalho, pelos estudos dele, pela alimentação dele, etc. Isso de estar sempre implicada com múltiplas responsabilidades impede as mães solos de lutar por melhorias de suas condições, não temos tempo de criar associações, de tentar mudar as leis, de exigir creches e escolas integrais ou de espaços de contraturnos (que não existem nem particular, muito menos pública). Para nós, mães solos, que trabalhamos integralmente na vida profissional e com a educação de nossos filhos, o fim do dia é sinônimo de exaustão. Não temos força para pressionar a sociedade à criação de políticas públicas para nós. Não há tempo para isso em nossas vidas."

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*Nome fictício da entrevistada, que não preferiu não ter seu nome verdadeiro divulgado nesta matéria

 

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