Tudo com que me ornou
tudo com que me honrou
a vida aos poucos me deu
e aos poucos me tirou.
Foram-se as ilusões
os anéis
as condecorações
os lauréis
foram-se os dentes
que no seu apogeu
e ainda um pouco depois
brilhavam trinta e dois
Ficaram as recordações
os versos amassados no terno
os cacos do amor eterno
e esta necessidade
de olhar as velhas fotos
de chorar sobre elas
para acreditar que sim
que é verdade
que era eu este
que aparece sorrindo
para a mulher sorridente
(trinta e dois
mais trinta e dois dentes -
ah glorioso passado
ai presente arruinado -
cintilando sessenta e quatro vezes)
Devíamos ter nos mordido -
tantas vezes ela pôde
quantas vezes eu pude -
mas cometemos a omissão:
em nome de nenhuma virtude
pecamos contra a nossa juventude
o venturoso futuro de nossa memória
e os direitos da paixão.