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Impressões sobre a vida e seus arredores

Se você um dia olhasse para mim

Por Raul Drewnick
Atualização:

Hoje, no restaurante, vendo como você olhava para aquele rapaz, Tiquinha, me perguntei o que eu poderia fazer para que você um dia olhasse para mim daquele jeito. Nunca os seus olhos estiveram tão verdes, Tiquita. E o rapaz, aquele bobalhão, nem aí. Estava ocupado com o bife, o arroz e a batatinha frita. Ele chegava até a babar, o porco. Você deve ter visto, porque não tirava os olhos dele, Ticota. E eu, para tentar mudar o rumo dos seus olhos, comecei a falar, falar, falar. Não lembro de nada do que eu disse, mas deve ter sido uma baboseira, porque você não me respondeu. O que eu podia fazer, Tica? Olhei para os meus ombros, olhei para os dele. Olhei para o peito dele, olhei para o meu. Olhei para o rosto dele, para os olhos, e tive vontade de chorar. Você estava olhando na direção certa. Por que você iria olhar para mim, Tiquinha adorada? Se você olhasse, o que você veria em mim? Este rosto arruinado, estes olhos cansados, estes lábios pelos quais as palavras já passam a contragosto, esta boca que já não merece pronunciar o seu nome, Tica. Quase chorei naquela hora. Devia ter chorado. Talvez você desviasse os olhos para mim. Talvez você visse em mim alguma coisa que eu nunca soube ter. Talvez você visse uma cintilação dessa poesia que você fez nascer em mim desde o primeiro dia. Eu não chorei, Tica, eu me esforcei para não chorar. Você não percebeu, mas eu até sorri. Foi quando eu perguntei, com esta minha falta de habilidade, se você estava encantada com o rapaz ou com o bife, o arroz e a batatinha frita. Ainda bem que você não ouviu. Você ia me chamar de sonso. Você sempre me chama de sonso. Você é cruel comigo, Tica. Por que você nunca me chama de sonsinho?

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